Alegria no Ordinário: Entre o Céu e o Chão – Como Encontrar a Alegria do Senhor nas Tarefas de Cada Dia

Mensagens motivacionais do tipo: “Seja grande! Faça obras relevantes! Você deve buscar viver momentos grandiosos!” estão cada vez mais frequentes em nossa sociedade. A satisfação pessoal é associada a acontecimentos notáveis. E, não raro, muitos julgam o sucesso na vida cristã sob essa ótica, de que só é feliz aquele que vive grandes experiências com o Senhor ou faz coisas proeminentes.

Sem perceber, você pode se colocar na posição de buscar incansavelmente o extraordinário, se esquecendo de que há porções de graça e alegria no seu cotidiano, exatamente nesse momento que você vive agora. Lembre-se dos fariseus que, focados em eventos grandiosos e no desejo de serem eles mesmos grandes, ignoraram o maior acontecimento de todos os tempos em que o Criador se fez criatura e habitou entre os homens.

Nosso Deus está em todos os momentos, sejam grandes ou pequenos. Enxergar o seu agir no extraordinário, nos grandes acontecimentos e nos milagres, não é tão difícil. Testemunhamos algo impossível ou improvável se tornar real e pronto — notamos a mão do Senhor em todo o seu poder intervindo naquela situação. E então, fazemos o que todo cristão deve fazer: louvamos e engrandecemos o nome daquele que agiu de forma maravilhosa. Nosso coração se enche de alegria.

Mas o Senhor também opera maravilhas no ordinário. Os dias aparentemente comuns que vivemos estão permeados por dádivas dos céus, que muitas vezes ignoramos. Nosso desafio é reconhecer as bênçãos e, igualmente, nos alegrarmos com elas, pois são esses dias “simples” que compõem grande parte de nossa trajetória nesta terra. Se esperarmos apenas por coisas grandes demais, corremos o risco de passarmos a vida toda tomados de amargura e ingratidão para com a bondade divina.

Gostamos muito de comer algo diferente e gostoso. Churrasco, hambúrguer, japonês, pizza, batata frita… quando em contato com nosso paladar, despertam em nós sentimentos de êxtase. Como é bom desfrutar de um prato especial! Mas, sabemos que o que nutre o corpo de maneira mais consistente é aquela refeição comum que ingerimos todos os dias. Assim como nossa vida é muito mais sobre comer arroz com feijão, os dias comuns são os que compõem grande parte de nossa existência nesta terra. Sentir contentamento neles é essencial para manter a saúde da alma.

Deus está na rotina

Na Bíblia, vemos o Senhor criando todas as coisas de forma maravilhosa. Nada havia. Ele falou. Tudo passou a existir. Natureza, corpos celestes, animais, seres humanos. O milagre da criação. Nada é impossível pra ele. É incrível servir e crer em um Deus assim. Podemos esperar grandes coisas.

A criação, além de revelar o poder de Deus, revela sua forma de agir. Ele criou o dia, a noite e as estações. Estabeleceu períodos de trabalho e de descanso. E tudo isso é bom, ele disse. O Senhor não trabalha apenas com coisas grandiosas, ele opera também no comum. Já parou pra pensar quantas sequências de dia e noite ele fez desde o Gênesis? Quantas primaveras a Terra já viveu?

O Deus do extraordinário é o Deus da rotina. E ele não se cansa. Sendo quem é, não precisaria fazer as mesmas tarefas todos os dias, constante e fielmente, mas  ele faz e faz bem feito. Basta observar os pores do sol de tirar o fôlego que ele pinta no céu todos os dias. As misturas de cores são um espetáculo aos olhos e rendem muitas fotos.

O fato de, diariamente, o Senhor fazer o sol nascer e se pôr, mandar os ventos, as chuvas, fazer as flores desabrocharem e as folhas das árvores caírem para então brotar novamente nos ensina que não há nada de anormal em acordar, ir para o trabalho, fazer comida, arrumar a casa, malhar, estudar, cuidar da família, pegar ônibus, ir ao supermercado, etc.

Há beleza na rotina. Ela nos aponta para o cuidado e a fidelidade do Senhor, que dia após dia nos sustenta e permite viver. Fazer nossas atividades com prazer e maestria, como nosso Pai faz, demonstra gratidão e aponta para sua obra gloriosa e diária que muitas vezes não é notada nem valorizada.

Nossa vida como um culto

O Senhor criou o homem para que viva coram Deo – perante a face de Deus. Isso implica toda uma vida voltada para conhecer a vontade do Senhor e adorá-lo em todo o tempo. Prestamos culto a Deus não apenas nas reuniões em nossas congregações, mas no cotidiano também. Afinal, passamos mais tempo fora da igreja do que dentro dela.

Ter a consciência de que todos os nossos atos louvam a Deus, nos ajuda a enxergar nossas atividades de outra perspectiva. Afinal, ele é adorado tanto quando ergo minhas mãos em louvor no domingo, quanto quando arrumo minha cama na segunda-feira.

A mão do Senhor pode ser vista em tudo, por isso devo adorá-lo. Enquanto cuido da casa, louvo a ele por ter um lar. Enquanto cozinho, agradeço pela provisão. Ao estudar, agradeço pela oportunidade de crescer intelectualmente. Enquanto caminho sob o sol forte, agradeço pela  saúde e pelo corpo que me permite locomover. No trânsito congestionado ou no transporte lotado, o louvo pelo emprego ou por ter filhos a quem buscar na escola ou por ter condições de ir ao mercado. Daqui em diante segue-se uma lista de incontáveis momentos de gratidão.

Podemos não fazer coisas grandiosas sob a ótica humana, mas saber que o Senhor está conosco nas pequenas coisas nos dá a percepção de que tudo é grande demais para não ser vivido com intensidade e alegria. A presença de Jesus transforma as tarefas do dia a dia em altares de louvor e adoração. Nas palavras de Tish H. Warren, em seu precioso livro Liturgia do Ordinário:

“Os anos ordinários de Cristo são parte da história da nossa redenção. Por causa da encarnação e desses longos e esquecidos anos da vida de Jesus, as nossas vidas pequenas e normais importam. Se Cristo foi um carpinteiro, todos nós que estamos em Cristo vemos que o nosso trabalho é santificado e consagrado. Se Cristo passou um tempo em obscuridade, então há uma dignidade infinita na obscuridade. Se Cristo gastou a maior parte da sua vida de forma cotidiana, então a vida toda está sob o seu senhorio. Não há atividade pequena demais ou rotineira demais para refletir a glória e dignidade de Deus.”

Tish H. Warren, Liturgia do Ordinário

Cada dia é um presente

Dizer que cada dia é um presente e deve ser aproveitado tornou-se um clichê. Mas  nem por isso deixa de nos ensinar boas lições. Talvez fique melhor se eu citar o salmista e fizer uma breve análise do versículo abaixo:

 “Este é o dia que o Senhor fez; regozijemo-nos e alegremo-nos nele.”

(Salmo 118.24)

  • “Este é o dia”. O dia de hoje, com tudo o que ele traz de ordinário e extraordinário. O esperado e o inesperado.
  • “que o Senhor fez”. O Deus toda a terra, que controla os tempos e as épocas, que cria todas as coisas a partir do nada e que também ama a rotina, preparou esse dia pra você.
  • “que o Senhor fez”. O dia já foi feito, cada detalhe foi planejado e definido. Nada, absolutamente nada, que chegar até você neste dia estava fora do controle do Deus que te conhece, sabe seus sonhos, dificuldades e limitações. “Cada um de nossos dias foi escrito e determinado, quando nenhum deles havia ainda” (Salmos 139.16).
  • “regozijemo-nos e alegremo-nos nele”. Uma vez que o hoje foi feito pelo Senhor e nos dado como um presente especialmente preparado para cada um de nós – não é algo genérico – , nossa resposta deve ser nos alegrarmos e regozijarmos enquanto o vivemos.

Para encontrar alegria nas tarefas diárias precisamos tirar os olhos de nós mesmas e do sentimento de autocomiseração. Por mais insignificantes ou comuns que julguemos nossas tarefas, elas nos foram permitidas pelo Senhor e devem ser feitas na confiança de que ele tem um propósito em todas as coisas.

“E neste dia particular, Jesus me conhece e declara que sou dele. Neste dia, ele está redimindo o mundo, avançando o seu reino, nos chamando para nos arrepender e crescermos, ensinando a sua igreja a adorar, se aproximando de nós e nos tornando um povo todo seu. […] Como eu passo esse dia ordinário em Cristo é como eu vou passar a minha vida cristã.”

Tish Warern, Liturgia do Ordinário. Grifo meu

O extraordinário se encontra no ordinário

Perceber que o Rei do Universo escolhe a vida de servos humildes, sem nada de bom a oferecer, para manifestar seu poder por meio de tarefas do dia a dia é o extraordinário sendo evidenciado no ordinário. Tantas pessoas no mundo e ele escolheu a nós.

Ao falar sobre sua segunda vinda e o Juízo Final, Jesus Cristo diz que entrarão nas moradas celestiais aqueles que lhe deram de comer quando ele teve fome, deram de beber quando teve sede, o hospedaram quando era forasteiro, lhe vestiram quando estava nu, lhe cuidaram quando doente, o visitaram quando preso e  arremata dizendo que “sempre que fizeram isso ao menor destes meus irmãos, foi a mim que o fizeram” (Mateus 25.31-46).

Cristo fala sobre servir o próximo e, geralmente, aquele próximo que não tem condições de nos retribuir.  São as tarefas simples, que passam despercebidas por muitos, mas que têm a total atenção do Salvador. Já pensou que ao fazer mais uma refeição, como você sempre faz, você pode estar alimentando o seu Senhor e contribuindo para a expansão do seu reino? Ou, do mesmo modo, ao deixar de fazer, ou fazer de qualquer jeito, é Deus o receptor final de suas ações?

“Tudo quanto fizerdes, fazei-o de todo o coração, como para o Senhor e não para homens, cientes de que recebereis do Senhor a recompensa da herança. A Cristo, o Senhor, é que estais servindo”

Colossenses 3.24,25

Nossos dias serão transformados quando nos lembrarmos que não há nada que façamos que leve Deus a nos amar mais ou menos. Seu infinito amor foi demonstrado na obra redentora de Cristo. A nossa resposta a isso é não desperdiçar nem um dia sequer, de todos os que ele fez pra nós. É viver com responsabilidade e dedicação cada tarefa que nos vier à mão para fazer, considerando-as não como fardos, mas como bênçãos do Deus que trabalha incansavelmente todos os dias e que nos chama a imitá-lo em tomar parte em seu reino.

Se o que o Senhor tem pra nós é uma sequência de dias em que aparentemente nada demais acontece, louvado seja o seu santo Nome! Ele não precisa de nós, e mesmo assim nos dá a oportunidade de viver dias que ele planejou. Que cada pia de louça, cada ambiente de trabalho, cada sala de aula, cada criança a ser cuidada, cada hospital a ser visitado, cada tarefa do ordinário, sejam transformados em altares em que o nome de Deus é adorado por meio de nossas ações. Que o Senhor nos dê corações gratos e atentos para contemplarmos o Céu, tocando o chão o tempo todo ao nosso redor. E que não nos acostumemos a isso. 

“Portanto, quer comais quer bebais, ou façais outra qualquer coisa, fazei tudo para glória de Deus.”

1 Coríntios 10.31, grifo meu

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