Abigail – A pacificadora

“Bem-aventurados os pacificadores, pois serão chamados filhos de Deus.” – Mt 5:9

A história de Abigail se passa depois que Davi havia sido ungido rei de Israel. Naquele tempo, o rei Saul, que ainda ocupava o trono, nutria forte ira contra Davi e tentava matá-lo a todo custo. Por causa disso, Davi e seus homens viviam como nômades pelos campos e forneciam proteção aos fazendeiros em troca de alimento.

Um dos fazendeiros que recebeu proteção de Davi foi Nabal, descrito na Bíblia como um homem mal e rude (cf. 1 Sm 25:3). Durante a temporada de tosquia das ovelhas, Davi enviou seus homens à casa de Nabal para pedir-lhe alimento. No entanto, Nabal, de maneira desdenhosa, negou alimento a Davi (cf. 1 Sm 25:10-11, 21). Quando os mensageiros trouxeram a resposta de Nabal, a reação de Davi foi irar-se profundamente e preparar-se para matar Nabal e os seus.

É nesse ponto da história que conhecemos Abigail, esposa de Nabal, uma mulher descrita como sensata e formosa (cf. 1Sm 25:3). 

Pressa para a agir e calma para calar

Uma das formas pelas quais Abigail demonstrou sensatez foi como manejou o tempo para agir e falar. Ao tomar conhecimento da atitude de seu esposo Nabal, a primeira reação de Abigail foi antecipar-se para evitar uma tragédia. A toda pressa, Abigail dispôs de mantimentos a fim de alimentar Davi e seus homens e partiu em direção ao local em que eles estavam acampados. Sua atitude mudou o coração de Davi.

Após seu encontro com Davi, a atitude de Abigail não foi dirigir-se a Nabal a fim de acusá-lo de sua insensatez e relatar como ela havia poupado sua casa da morte naquele dia. A forma como Nabal tratou Davi e a ira mortal decorrente disso, a urgência em preparar alimentos e levá-los a fim de evitar uma tragédia… tudo isso somado ao fato de que, ao voltar para casa, Abigail encontrou Nabal já muito bêbado e banqueteando, como se nada estivesse acontecendo, seriam motivos para levar esta mulher a expressar toda sua indignação prontamente.

No entanto, o que vemos no relato bíblico é que Abigail decide não falar com Nabal até o dia seguinte, quando ele estaria livre do domínio da bebida. Abigail mostrou não ser escrava do próprio ímpeto, mas agiu como alguém que sabe que há tempo para falar e tempo para se calar (cf. Ec 3:7). Ela não deixou de comunicar a Nabal todo o ocorrido, talvez até mesmo tenha repreendido o marido pela atitude que causou todo o transtorno, mas Abigail fez isso no tempo certo.

Palavras certas, mas ditas em momentos inoportunos são como pó de ouro jogado ao vento. Mas as Escrituras dizem que “a palavra proferida no tempo certo é como frutas de ouro incrustadas numa escultura de prata” (cf. Pv 25:11).

A humildade de Abigail

Quando decide agir para apaziguar a ira de Davi, vemos que Abigail se coloca como promotora da paz. Ao encontrar Davi no meio do caminho entre o acampamento e a casa de Nabal, a atitude de Abigail foi de humilhar-se e tomar para si a responsabilidade pelo problema (cf. 1Sm 25: 24).

Com seu comportamento, Nabal suscitou ira mortal em Davi. Abigail, por outro lado, humilhou-se, reconheceu a bondade com que Davi havia tratado sua família e pediu perdão, dissipando a contenda.

Isso te lembra um famoso provérbio? “A resposta branda desvia o furor, mas a palavra dura suscita a ira” (cf. Pv 15:1). A diferença entre as atitudes de Nabal e Abigail e a forma como Davi reage a cada uma delas é um perfeito exemplo deste provérbio na prática.

Ser um pacificador é um ato de obediência a Deus e motivo de honra por parte do Senhor: “É uma honra dar fim a contendas, mas todos os insensatos envolvem-se nelas” (cf. Pv 20:3). É isso que vemos na história dessa mulher. Abigail, com sua atitude pacificadora, trouxe exaltação ao nome do Senhor e recebeu honras e elogios por parte de Davi (cf. 1Sm 25:32-33). E a sensatez de Abigail marcou de tal maneira o coração de Davi que sua admiração não parou em palavras, pois, após tomar conhecimento da morte de Nabal, Davi decide casar-se com Abigail (cf. 1 Sm 25:39).

Promessas e paz

Para aplacar a ira de Davi, Abigail não usou palavras vãs ou bajulações. O que ela fez foi apontar para Deus e suas promessas.

Como dito no início, estes fatos aconteceram após Davi ter sido ungido rei sobre Israel. Ele não reinava ainda, mas essa era uma promessa de Deus e Abigail sabia disso. Sendo assim, quando dispôs-se a apaziguar a ira de Davi, Abigail não pensou apenas em seu marido ou em si mesma, mas em como esse assassinato iria marcar a vida do futuro rei de Israel: “Quando o Senhor tiver feito a meu senhor todo o bem que prometeu e te tiver nomeado líder sobre Israel, meu senhor não terá no coração o peso de ter derramado sangue desnecessariamente, nem de ter feito justiça com tuas próprias mãos. E, quando o Senhor tiver abençoado a ti, lembra-te de tua serva” (cf. 1Sm 25:30-31).

Deixar-se ser usado por Deus para lembrar alguém das promessas do Senhor é uma das formas mais eficazes de promover a paz. Quando caímos em pecado é porque, de alguma maneira, perdemos de vista o Senhor e suas promessas. Essencialmente, promover a paz é trazer de volta ao centro as verdades sobre quem Deus é e sobre quem somos nele.

A paz no caminho

Enquanto relia a história de Abigail, não pude evitar que alguns versos de Carlos Drummond de Andrade me viessem à mente:

No meio do caminho

Tinha uma pedra

Tinha uma pedra no meio do caminho”

Comumente se entende que a pedra do poema seria uma representação dos obstáculos encontrados na vida, no “caminho”. Outros ainda consideram as pedras como acontecimentos que ficariam marcados para sempre na mente do poeta, fatos relevantes demais para se perderem na memória.

Davi teve sua trajetória transformada por algo que encontrou no caminho, literalmente: alguém que se deixou ser usado por Deus para tirar as pedras da contenda e trazer a paz.

Enquanto descia pela estrada em direção à casa de Nabal, Davi caminhava para cometer um grave pecado, mas ao encontrar Abigail no meio do caminho, o futuro rei de Israel foi relembrado de quem ele era em Deus e isso mudou tudo (cf. 1Sm 25:20, 34).

Quem temos sido nos caminhos uns dos outros? Pedras, obstáculos à paz com Deus e com os outros, ou instrumentos de unidade e reconciliação? Temos sido dos que apoiam contendas ou dos que se colocam na posição de dissolvê-las? Quando tomamos conhecimento de alguma fofoca, somos dos que promovem o falatório ou mesmo se mantêm inertes frente tal pecado ou dos que repreendem e tomam atitudes para afastar este mal? Somos dos que usam da “capa” das redes sociais para proferir palavras duras e julgamentos contra quem está do outro lado ou dos que promovem a paz, a despeito das diferenças?

Sobre Abigail, se pudermos tomar licença para imaginar o rei Davi já idoso relembrando aquele encontro no caminho e parafraseando o restante do poema de Drummond, teríamos algo semelhante a isto:

“Nunca me esquecerei desse acontecimento

Na vida de minhas retinas tão fatigadas

Nunca me esquecerei que no meio do caminho

Tinha uma Abigail

Tinha uma Abigail no meio do caminho

No meio do caminho tinha uma Abigail”

Minha oração por minha vida e pela sua, querido leitor, é que sejamos Abigail nos caminhos uns dos outros. Que não sejamos amontoadores de pedras (problemas, contendas, rixas…), mas servos reconhecidos por promover a paz e, assim, espelhar aquele que é o Príncipe da Paz, nosso amado Jesus (cf. Is 9:6).


Esse post faz parte da nossa série de postagens de Março com o tema “Mulheres Desconhecidas da Bíblia”. Para ler todos os posts clique AQUI.