A Vestimenta do Coração (Sobre Modéstia)

Falar de modéstia hoje em dia é como caminhar em um campo minado. Ao usarmos a palavra modéstia, acredito que de forma primária boa parte das pessoas a associem à vestimenta. E justamente por pensarmos em modéstia principalmente como a forma em que nos vestimos é que caminhamos num campo minado ao tratar do assunto. A modéstia está, sim, intimamente relacionada à forma como nos vestimos, mas é um assunto muito mais profundo do que apenas vestes.

Quero por meio deste texto, queridas amigas, abrir nossos olhos para a profundidade de um termo que embora tenha sido reduzido à vestimenta, é muito mais amplo do que isso. Para isso, olharemos para a modéstia a partir do que os apóstolos Paulo e Pedro escreveram em duas de suas epístolas – 1 Timóteo e 1 Pedro. Ainda que eles tenham escrito em contextos diferentes, ambos falaram sobre a mesma coisa e foram contra a cultura em que estavam inseridos.

Modéstia

Antes, vamos pensar sobre o significado da palavra. Modéstia, segundo o dicionário significa que não possui nem demonstra vaidade em relação a si mesmo, às suas próprias conquistas; despretensão”. Alguns sinônimos da palavra são: simplicidade, decência, naturalidade. Sabendo disso, é possível começar a pensar em modéstia para além do comprimento de nossas roupas.

Pensar em modéstia apenas no que diz respeito ao guarda roupa é ignorar a graça salvadora e viver sob regras humanas. É colocar sobre nossa vida um peso e um limite que Deus não nos ordenou: “vista isso, não vista aquilo”, “cubra totalmente os ombros, o colo, as pernas”, “isso é justo demais e aquilo curto demais”. Deus nunca disse qual era o limite de justo ou curto demais. Nunca disse nada sobre calça não ser modesta e saia ser a única opção (mesmo porque calças não existiam na época em que a Bíblia foi escrita). Restringir a modéstia às regras de vestuário é de certa forma ignorar o poder do evangelho que transforma não apenas o guarda roupa, mas o coração.

Jesus condenava veementemente qualquer atitude dos fariseus em externar uma aparência perfeita devido ao cumprimento total das regras que eles mesmos criaram, ao invés de externarem o que transparece de um interior verdadeiramente transformado pelo Senhor. Ele chamava de hipócrita aquele que se preocupava tanto em mostrar perfeição aos outros enquanto a parte interior, que é o que realmente importa para Deus, era podre, suja e mentirosa.

Nós tendemos a nos importar muito com aquilo que as pessoas podem ver e nos esquecemos que Deus é quem nos conhece verdadeiramente, e é o que Ele pensa sobre nós  que realmente importa. E é por isso que reduzir a modéstia somente às vestes é acima de tudo, perigoso. Podemos começar a viver sob regras que nós mesmas criamos, nos importando demasiadamente com algo ser justo ou curto demais, enquanto nosso coração ainda é insubmisso e descontente, rigoroso e orgulhoso, a ponto de condenarmos quem não segue nossas regras.

Pense em quantas vezes você já julgou e condenou em seu coração a forma como alguém estava se vestindo só porque não estava de acordo com o seu padrão? Corremos o risco inclusive de medir a fé, espiritualidade e comunhão com Deus – nossa e dos outros – de acordo com o tamanho da saia e do vestido.

O pastor Yago Martins escreveu em seu livro Pecados Aceitáveis, no capítulo sobre nudez, o seguinte trecho:

“A modéstia está muito além do vestuário porque é uma questão profunda da alma e do coração. Mais importante do que mudar o guarda-roupa é construir um espírito manso que não necessite de olhares para se sentir valioso, e que encontra na apreciação de Deus um valor muito maior que a apreciação no espelho. É o processo de repetir com as roupas aquilo que confessamos com os lábios: a verdade de que Jesus é o Senhor da nossa vida, o rei sobre absolutamente tudo em nós.”

Ou seja, a modéstia se revela na forma em que nos vestimos, sim, mas não está presa em regras como sobre até onde a saia deve ir, mas como um anúncio do evangelho da graça que nos liberta de fardos humanos e nos dá plena liberdade em nos vestirmos de forma que comunique os atributos de Deus e não o nosso próprio padrão. A modéstia flui de um coração que compreendeu a beleza e a santidade do Senhor e viu Nele aprovação e aceitação por meio do sangue de Jesus, não por meio de uma saia longa. A modéstia floresce quando compreendemos que na história de Deus, somos servas e Ele o Senhor, e por isso comunicamos humildade e não orgulho quando abrimos o guarda-roupa. A modéstia é um coração alcançado e transformado pelo Espírito, um coração que uma vez alcançado, quer a todo momento anunciar de todas as formas as boas novas de liberdade.

1 Timóteo e 1 Pedro

Os apóstolos Paulo e Pedro escreveram sobre modéstia no vestir. Em 1 Timóteo 2.9-10, Paulo diz:

“Da mesma sorte, que as mulheres, em traje decente, se ataviem com modéstia e bom senso, não com cabeleira frisada e com ouro, ou pérolas, ou vestuário dispendioso, porém com boas obras, como é próprio às mulheres que professam ser piedosas.”

Pedro, semelhantemente, escreve:

“Não seja o adorno da esposa o que é exterior, como frisado dos cabelos, adereços de ouro, aparato de vestuário; seja, porém, o homem interior do coração, unido ao incorruptível trajo de um espírito manso e tranquilo, que é de grande valor diante de Deus” (1 Pedro 3.3-4).

Nestes trechos, tanto Paulo quanto Pedro estavam indo de forma contrária à cultura. Paulo falava especificamente sobre o comportamento da mulher no culto público, enquanto Pedro falava do comportamento da mulher temente ao Senhor num contexto pagão. Embora um conselho seja para o culto público e o outro para o cotidiano, podemos de forma clara observar que ambos possuem a mesma essência, e isso porque nós não podemos ser duas pessoas. Não somos uma pessoa na igreja e outra pessoa quando colocamos o pé para fora dela. Nisto podemos diferenciar a modéstia de um coração transformado e a falsa modéstia.

A leitura errada destes textos trouxe muitas proibições às mulheres e pouco ensinamento sobre do que o texto realmente trata. Essas passagens não dizem de forma alguma ser proibido que a mulher se arrume, use joias e outros adereços. Elas, na verdade, nos alertam para que nossa beleza não esteja nestas coisas. A beleza da mulher cristã não está no quanto ela ostenta roupas caras, ou em suas joias, seu cabelo brilhoso ou maquiagem impecável. A beleza da mulher cristã não está presa a futilidades passageiras e muito menos presa somente ao que podem ver os olhos. A verdadeira beleza da mulher cristã está alicerçada num coração rendido ao Senhor e num espírito igual ao de Cristo – manso e humilde. O que os apóstolos estão nos ensinando nestes textos é que um espírito transformado e um coração regenerado pelo Espírito são de uma beleza muito superior do que qualquer última tendência de moda. Não há roupa mais bela do que o traje incorruptível de um coração manso e dócil.

Os textos nos dizem que a mulher que ama a Deus não deve estar demasiadamente apegada àquilo que impressiona os olhos, mas que sua beleza está na modéstia, na moderação, na simplicidade, e que todas essas coisas fluem de um coração que ama a Deus.

Ainda hoje nos apegamos ao jogo do “pode e não pode”, mas a Palavra do Senhor é bem clara quando nos diz que em Cristo somos livres, mas que não podemos usar essa liberdade para ferir nossos irmãos.

Podemos de muitas formas ferir nossos irmãos pela falta de modéstia. As roupas curtas e justas que mostram o corpo de forma sensual podem ferir nossos irmãos e os fazerem tropeçar em pecado sexual por revelar nosso corpo de uma forma que não cabe a mais ninguém além do cônjuge. Ou quando nos vestimos de forma exagerada num ambiente onde os irmãos são mais simples – isso também pode feri-los e constrange-los. Às vezes as vestes são longas, mas o coração é ostensivo e orgulhoso, e isso não engana o Senhor.

Citando novamente o pastor Yago Martins em seu livro Pecados Aceitáveis:

“Nossos corações precisam ser ensinados a amar aquilo que é santo, e não apenas escolher roupas maiores.”

É muito possível sermos imodestas com o corpo todo coberto, basta que nosso coração se orgulhe em nossas boas obras e aja sem misericórdia para com o nosso próximo. Basta que nosso coração não se importe com o Senhor e nem com nossos irmãos e só se importe consigo mesmo. Basta que nosso coração anseie por ostentar bens ao invés de arrependimento. A imodéstia está no falar, no pensar e num coração que se rebela dia após dia contra o Senhor.

Vivendo a modéstia na prática

Querida amiga, que possamos entender cada vez com mais clareza que, no fim das contas, modéstia não se trata de usar saia e não usar calça, mas que todas essas coisas se resumem em estarmos revestidas de Cristo e adornadas com seu evangelho.

Entender a modéstia como resultado de um novo coração nos livrará de criarmos regras e pesarmos outras pessoas com nossas regras. Não podemos de forma alguma separar a modéstia do evangelho de Cristo. Sem o evangelho, sem a graça e sem a misericórdia de Deus, reduzimos a modéstia a regras de vestimentas e a separamos da pessoa e da obra de Jesus Cristo, que morreu sem roupas, totalmente exposto e humilhado numa cruz para nos libertar e nos dar Suas próprias vestes de incorruptibilidade.

Porque Jesus morreu, fomos despidas das velhas roupas maculadas pelo pecado e ganhamos novas vestes de justiça. Nossas almas envergonhadas agora estão cobertas pelo sangue do Cordeiro, nossos corpos nus foram vestidos por Deus e nossos corações foram transformados pela verdade libertadora do evangelho, que transforma nosso interior de forma tão radical que é impossível não mudar de forma exterior.

Percebe como é pobre reduzir a modéstia a vestimentas? Use calça, vestido ou saia – mas antes de qualquer coisa esteja vestida de Cristo, pois essa é a única forma de nos vestirmos verdadeiramente de forma modesta.

O coração habitado por Jesus externa alegria, criatividade e santidade em nossas vestes. Há beleza na diferença da criação maravilhosa de Deus. Use sua criatividade e se vista todos os dias pensando que, quando as pessoas olham para você, de certa forma estão olhando para Jesus.

Meu desejo para todas as mulheres, amadas do Senhor, é que sejam libertas de regras que o Senhor não criou e que se vistam para comunicar a beleza da santidade de Deus. Meu desejo para nós é que nos vistamos para a glória de Deus e não para a nossa própria glória. Que externemos em nossas vestes a criatividade do Senhor e a alegria da salvação. Por fim, ainda que você ande toda coberta, a questão que realmente importa é: a forma como você se veste revela se você está vestida de Cristo?


Esse post faz parte da nossa série de postagens de Abril com o tema “Sexualidade”. Para ler todos os posts clique AQUI.