A Graça é de Graça (Sobre o Neopentecostalismo e o Evangelho da Prosperidade)

Querida leitora, este texto tem, tão somente, o objetivo de trazer um panorama histórico do neopentecostalismo e algumas análises a respeito de suas práticas. Portanto, inicio esta conversa com dois pedidos. Se você faz parte de uma comunidade neopentecostal, peço que leve em consideração a análise teológica e hermenêutica apresentada e não se sinta afrontada de maneira pessoal pelas considerações que se seguirão; as farei em profundo amor e consideração por sua fé genuína em Cristo. Se você não faz parte de uma comunidade neopentecostal, peço que lembre do conselho de Jesus em Mateus 7 e siga a leitura com amor e santa humildade em relação ao seu próximo.

No ano de 2010, o censo do IBGE apontava que mais de 42 milhões de brasileiros se reconheciam como evangélicos e, dentre estes, mais de 25 milhões se denominavam pentecostais. Apesar de saber que estes censos apresentam análises incompletas, ao menos nos permitem ter uma noção comparativa que, inclusive, justifica a existência de maior número de igrejas pentecostais e neopentecostais em relação ao número de igrejas batistas e presbiterianas, por exemplo.

Um breve panorama histórico

Na história do cristianismo brasileiro, o pentecostalismo surge muitos anos depois da Reforma Protestante, que se deu em meados do século 16, em uma época em que a sociedade europeia vivia uma vida espiritual completamente instável, cercada por ansiedade acerca da salvação e uma religiosidade baseada em obras, também conhecida como “religiosidade contábil” ou “matemática da salvação”, onde os débitos são pecados e os créditos são boas obras. Dentre os nomes que se destacam nessa fase da igreja, estão João Calvino e Martinho Lutero.

Aproximadamente 200 anos após o nascimento e instituição da igreja Presbiteriana, em 1530, John Wesley, Carlos Wesley e George Whittfield fundam, em 1784, um movimento que, mais tarde, seria conhecido como metodismo, que se propunha a reavivar a igreja Anglicana.

Na primeira década do século 20 nasce o pentecostalismo histórico, seguido pelos pentecostais da segunda geração em meados da década de 50, e posteriormente os neopentecostais (pentecostais da terceira geração) a partir da década de 70. Todas, entretanto, oriundas do metodismo ou de grupos renovados onde começaram (batistas e presbiterianos).

Com origem na palavra grega pentecost, que significa quinquagésimo dia e marca a passagem de 50 dias depois da páscoa judaica, o termo “pentecostal” remete ao evento do Pentecostes, descrito no livro de Atos dos Apóstolos, quando os cristãos foram cheios do Espírito Santo e receberam diversidade de dons (Atos 2:4). O neopentecostalismo é consequência do movimento pentecostal e recebeu o prefixo latino neo como forma de expressar algumas novas ênfases que dariam ao movimento.

Dentre os precursores da também conhecida como “terceira geração” do pentecostalismo está Kenneth Hagin, nascido em 1917 no Texas. De acordo com a biografia contida no site da editora Rhema Brasil Publicações, o reverendo sofria de doenças graves quando criança, até que em 1934 foi curado pelo poder do Espírito Santo e a revelação da fé na Palavra de Deus. Em seus testemunhos, contava que Jesus lhe apareceu por oito vezes ao longo dos anos, o que lhe permitiu construir um ministério bastante significativo que incluiu a venda de mais de 65 milhões de cópias de livros, a fundação do Rhema Bible Training (Centro de Treinamento Bíblico Rhema) em 1974, e programas de rádio e televisão de grande audiência.

No Brasil, a maior igreja neopentecostal foi fundada em 1977 e já conta com mais de dois mil templos. Entretanto, existem outras segmentações tão fortes quanto a primeira, seja em número de adeptos ou em alcance midiático (TV, rádio e redes sociais). 

Pontos de divergência na fé

A diferença entre pentecostais históricos e os da terceira geração é, inicialmente, a questão de costumes (os quais não mencionaremos por serem muito particulares e secundários) e a forma de comunicarem Deus ao mundo, e se comunicarem com o mundo. Em muitas pregações neopentecostais, há uma ênfase ao dualismo do mundo espiritual, considerando que a vida em si é uma constante luta de Deus contra o diabo. Fala-se muito a respeito da intervenção da pessoa do Espírito Santo e dá-se muito destaque aos dons do Espírito, acabando por dar muito valor às experiências pessoais, milagres e intervenções divinas, deixando a atuação do Pai e do Filho em segunda instância.

Entretanto, há um ponto de divergência entre os dois grupos ainda mais forte e perigoso, amplamente conhecido como Evangelho da Prosperidade. Os adeptos  dessa doutrina crêem em um conceito completamente equivocado, conforme cremos, a respeito da graça, pois implicitamente pregam, por exemplo, que o cristão não pode sentir dor ou fraqueza, muito menos ser pobre. Quem crê em Deus genuinamente, eles dizem, não terá falta de nada. “Declare e tome posse”, “fale e receba” são exortações comuns durante os cultos, além de um apelo exacerbado por ofertas, em troca de milagres de cura em todas as áreas que o fiel necessitar. Essa fé deve ser prática: é preciso entregar tudo o que se tem a Deus, para que Ele recompense de forma grandiosa. Algo que muito se assemelha à matemática da salvação, ou salvação por obras, que foi veementemente combatida no início da Reforma.

Infelizmente, esse ensinamento já levou inúmeras famílias a venderem suas posses (casas e bens materiais) e entregarem parte ou todo o valor arrecadado como oferta à igreja, em busca de solução para seus problemas e prosperidade financeira. Isso aconteceu com alguém muito próximo a mim, e digo com o coração estremecido que é triste ver almas preciosas para Deus, pelas quais Cristo verteu seu sangue, sendo convidadas a lançarem sorte em nome de algo que não ecoa na eternidade, tampouco neste mundo.

No site de uma das igrejas que se denominam neopentecostais, há a seguinte definição: “os dízimos e as ofertas são tão sagrados quanto a Palavra de Deus”. Uma simples declaração do autor de Hebreus já contradiz essa afirmação: “A palavra de Deus é viva e eficaz, e mais penetrante do que espada alguma de dois gumes, e penetra até à divisão da alma e do espírito, e das juntas e medulas, e é apta para discernir os pensamentos e intenções do coração” (Hebreus 4:12). Onde, em toda a Escritura, aprendemos que o dinheiro é sagrado? Ou, pior ainda, que é tão sagrado quanto a Santa Palavra de vida? Pelo contrário, há diversos textos bíblicos alertando sobre o mal do dinheiro, como 1 Timóteo 6:10.

O Evangelho da Prosperidade também se propõe a usar a oração como uma ferramenta para forçar Deus a conceder prosperidade, quando ensina que nós não temos porque não pedimos, conforme uma equivocada interpretação de Tiago 4.2. Veja bem, orar por bênçãos pessoais não é pecado. O perigo está justamente na ênfase de transformar a oração em uma ferramenta mágica, como uma lâmpada do gênio. O foco passa a ser o ser humano e suas necessidades, e não o Deus com quem queremos e devemos nos relacionar por meio da oração. 

O curioso é que há uma continuação neste trecho bíblico amplamente usado por pregadores da prosperidade, mas que nunca aparece nas mensagens de apelo. “Pedis e não recebeis, porque pedis mal, para esbanjardes em vossos prazeres” (Tg 4.3). Ou seja, Deus não irá responder às petições egoístas e que não honram o seu nome. 

Minhas irmãs, a graça de Deus é de graça. Não há nada que possamos fazer para merecer o amor, a redenção, o perdão, a reconciliação, a vida eterna, as misericórdias renovadas a cada manhã, o fruto do Espírito, os dons e talentos, e, muito menos importante do que isso tudo, as bênçãos materiais. O Dono do universo não é banqueiro e não está apenas esperando nossa oração fervorosa para depositar dinheiro em nossas contas ou enviar cura aos nossos diagnósticos. Ele pode fazer tudo isso, obviamente, se for de acordo com seu soberano querer. Mas, nunca será por mérito humano, independente de quanto nos esforcemos para chamar sua atenção.

Deus pode curar um câncer? Com toda a certeza. Deus pode dar um emprego melhor ou uma casa maior aos seus filhos e filhas? Sim, minha irmã. Mas, ao sondar os corações, o que ele encontrará? Desejos desenfreados e egoístas, ou o desejo genuíno de encontrar paz e alegria na vida aos pés da cruz, seja na riqueza ou na pobreza, na saúde ou na doença?

Tomemos cuidado com os perigos de certas pregações ou exortações. Use as lentes da Palavra. Tal como aconteceu na Reforma, se debruce sobre a Bíblia e encontre em Deus as respostas verdadeiras e necessárias para sua vida. Procure bons conselheiros bíblicos para tirar dúvidas, lance mão de bons materiais teológicos e dedique-se ao estudo das Escrituras, com o intuito de conhecer melhor a Deus e seu bondoso agir em nosso mundo. Você verá que há prosperidade por onde Deus passa, mas trata-se de uma prosperidade espiritual, em primeiro lugar. A prosperidade que vem do verdadeiro Evangelho: Cristo, o sumo pastor que deu sua vida por nós, para que fôssemos reconciliados com o Pai. Não há complementos a este Evangelho, querida.

Não sei como o seu coração está ao chegar até aqui, por isso quero fazer uma última consideração: talvez, uma avaliação honesta e em profunda submissão aos ensinamentos de Deus, pela Palavra, pode vir a apontar alguns aspectos das igrejas neopentecostais que precisam ser reconsiderados e reformulados, a fim de que trabalhem genuinamente como instrumentos do evangelho de Cristo, o dono da Igreja.

Que o Espírito encontre em nossos corações liberdade para agir e transformar.


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