Os Apóstolos: Mateus
No século XXI, quando pensamos sobre os Apóstolos, temos a tendência de trazer à memória seu lado santo, forte, destemido, fiel a Cristo e irrepreensível. Por vezes, chegamos a considerar haver um abismo entre nossa pequena fé e a grandeza daqueles homens.
De fato, os Apóstolos fizeram coisas grandiosas em prol do Reino e exerceram a liderança da igreja cristã com força e poder vindos dos céus. Mas será que sempre foram assim? Será que foram escolhidos por suas habilidades e reputação exemplares? Eram homens notáveis que chamaram a atenção do Mestre? Sabemos que a resposta para todas essas perguntas é não.
Mateus, em particular, talvez tenha sido o homem mais aparentemente desprezível dentre os chamados por Jesus para integrar a escola dos discípulos. Nos evangelhos, encontramos pouco material sobre ele, mas o suficiente para percebermos que ele era uma pessoa simples e comum, ciente de sua pecaminosidade, que atendeu à voz irresistível de seu Senhor para segui-lo pelo restante de seus dias.
Quem é Mateus?
As informações sobre o chamado de Mateus estão contidas em poucos versículos em Mateus 9.9, Marcos 2.13-14 e Lucas 5.26-28. Nessas duas últimas referências bíblicas faz-se menção a Levi. Em todas as listas, nos evangelhos e no livro de Atos, que relacionam os apóstolos, tal nome não aparece, sendo amplamente aceito que Mateus e Levi são a mesma pessoa e que, à semelhança de Simão, também chamado Pedro, Levi passou a ser conhecido por Mateus ao se tornar seguidor de Cristo.
“Partindo Jesus dali, viu um homem chamado Mateus sentado na coletoria e disse-lhe: Segue-me! Ele se levantou e o seguiu.” (Mateus 9:9)
Mateus era um publicano, ou seja, um coletor de impostos. Se em nossos dias os fiscais do governo não são vistos com bons olhos, quanto mais naquela época em que havia muito mais envolvido! O império romano exercia domínio sobre o povo de Israel e dele cobrava tributos. Para isso, firmava contratos com judeus que ficavam responsáveis pela coleta e o posterior repasse ao imperador.
Os publicanos tinham a permissão de cobrar um valor além do requerido por Roma, que lhe seria o salário pelo serviço prestado. Diante dessa oportunidade, esses homens aproveitavam para se enriquecer às custas da opressão de seu próprio povo. Em virtude disso, não contavam com a simpatia e a amizade dos seus, eram considerados corruptos, sendo, portanto, excluídos da vida religiosa e não podendo frequentar as sinagogas. A reputação era tão má que não podiam sequer testemunhar nos tribunais da época.
Esse era Mateus: um homem rico, mas totalmente desprezado pela sociedade. Um judeu odiado por seu povo, por se portar como um traidor. E ele foi não somente visto, mas chamado pelo Messias enviado por Deus para fazer parte de uma obra grandiosa.
O chamado
Mateus ouviu o chamado de Cristo, se levantou e seguiu. Parece inconcebível! Como alguém na posição dele deixa tudo para trás em direção a uma vida incerta?
Ao que tudo indica, Mateus sabia quem Jesus era. Em seu livro Doze homens extraordinariamente comuns¹, John MacArthur diz:
O chamado de Cristo fez com que Mateus prontamente deixasse sua velha vida para trás em busca de algo novo e com significado.
Não há riquezas ou prazeres capazes de preencher aquele espaço no coração humano que pertence ao Senhor. Agostinho diz em Confissões³:
Podemos dizer que Mateus finalmente encontrou esse repouso quando deixou tudo para seguir a Voz que arrebatou seu coração.
A fé do apóstolo foi vista não apenas por sua prontidão em atender ao chamado de Jesus, mas também por, na sequência, oferecer um banquete em sua casa ao seu Salvador, no qual estavam presentes muitos publicanos e “pecadores” — essa palavra era usada pelos fariseus para se referir a todos aqueles que não cumpriam suas tradições religiosas rigorosamente; abarcando os marginalizados, como as prostitutas, por exemplo. Mateus queria compartilhar com seus colegas o grande acontecimento que teve lugar em sua vida, mostrar-lhes que havia redenção disponível.
Naquela época, dividir a mesa com alguém era expressão de intimidade profunda. Os religiosos legalistas, ao verem Jesus partilhando da mesma refeição que os párias da sociedade, questionavam os discípulos o motivo de seu Mestre se envolver com aquelas pessoas. Ao que Cristo respondeu:
O Senhor usou de ironia aqui. Os religiosos se julgavam santos e puros, suas ações mostravam que eles não se consideravam pecadores e, assim sendo, não reconheciam a necessidade de um Salvador pessoal, apenas de um libertador do povo da opressão de seus inimigos. Dessa forma, Jesus não deveria estar no meio deles, e sim daqueles que tinham consciência de sua pecaminosidade e sabiam precisar de alguém que lhes tornasse puros. O Filho de Deus estava onde deveria estar, fazendo o que veio fazer.
A postura dos fariseus e a resposta de Cristo nos fazem refletir sobre algumas atitudes que vemos hoje e, acima de tudo, a respeito de nossa própria vida. Temos ao nosso redor muitas pessoas que ainda são excluídas do convívio social por causa de seu estilo de vida que, mesmo inconscientemente, julgamos indignas ou inalcançáveis pelo Evangelho. Longe de defender práticas pecaminosas, haja vista que a conversão implica mudança de vida, o ponto aqui é: para que essas pessoas deixem de ser “publicanos e pecadores” elas precisam receber o chamado, ouvir a voz, se encontrar com Jesus. E o que temos feito para isso? As direcionamos para o banquete da graça, como fez Mateus, ou impedimos que elas desfrutem do Pão da Vida, como os fariseus?
Outro ponto que gostaria de destacar é o seu relacionamento inicial com os demais apóstolos. Jesus comissionou doze homens com temperamentos e histórias de vida diferentes, fazê-los conviver em harmonia já era um desafio, quanto mais se considerarmos que, dentre esses, estava um que era considerado traidor, que possivelmente os havia extorquido com a cobrança de altos tributos. Soa desafiador sentar com alguém que sempre fora excluído dos encontros por motivos plausíveis e tratá-lo agora como irmão, como parte da família.
É custoso para nós recebermos bem alguém que tenha feito mal contra nós e os nossos semelhantes, mas lembremo-nos que o maior ofendido foi o Senhor, pois, em última análise, o pecado é sempre uma transgressão contra ele. Os atos praticados por Mateus antes afrontaram a Deus e ele foi o primeiro a estender-lhe a mão. Portanto, Cristo, que já esteve em nosso lugar e sabe exatamente o que sentimos, nos ensina como receber os pecadores que se arrependem.
O chamado de Mateus ensina que todos somos igualmente pecadores, tanto aquele que oprime e pratica extorsão contra seu próprio povo, quanto o que “nasceu na igreja” e nunca cometeu nada de “grave”. Ainda assim, se Cristo não os reconciliar com Deus, ambos estão destinados ao inferno. Estamos espiritualmente doentes e carecemos que o Médico dos médicos nos vivifique. Sem arrependimento não há perdão de pecados.
Jesus não impediu que pessoas de todos os tipos fossem até ele nem se privou de ir até elas. Seus discípulos devem imitar seus passos e não se portarem como pedras de tropeço. O Mestre nos chama para que o sigamos em seu ministério de misericórdia. Para nós, toda alma é um solo potencialmente bom para que a semente do Evangelho germine.
Vivendo para a glória de Deus
A posição que Mateus ocupava demandava que ele fosse fluente em grego e aramaico para que tivesse uma boa comunicação e pudesse cobrar os impostos com eficiência, e que mantivesse registros organizados para prestar contas ao império romano. Essas características contribuíram para que fizesse anotações sobre o ministério de Jesus e, mais tarde, escrevesse seu Evangelho.
Deus conduz os caminhos do homem de modo a cumprirem seu bom propósito. O que o apóstolo viveu no passado o preparou para que fosse útil no ministério de Cristo. O Senhor ressignifica a história daqueles a quem chama e transforma o que antes era motivo de vergonha em algo que glorifica o seu santo Nome.
“Mateus é uma lembrança vívida de que o Senhor com frequência escolhe as pessoas mais desprezíveis deste mundo, redimindo-as, dando-lhes um novo coração e usando-as de formas admiráveis”. (John MacArthur)
Não importa o que um homem tenha sido ou feito no passado. Não há pecado pesado demais que o sangue de Cristo não possa remover. Ele transforma o solitário, excluído e odiado em membro de uma família cheia de irmãos que caminham com ele. Ele é suficiente para mudar o rumo de histórias fadadas a terminarem mal.
A salvação de pessoas como Mateus é um lembrete de que ele vive e age continuamente em nosso meio ainda hoje, comissionando seguidores imperfeitos, mas totalmente cientes de sua necessidade de redenção, para a importante missão de propagar seu reino de amor e perdão, permeado daquele favor imerecido chamado graça.
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¹ Doze homens extraordinariamente comuns. Ed. Thomas Nelson – John MacArthur
² Estudos bíblicos expositivos em Mateus. Ed. Cultura Cristã – R. C. Sproul
³ Confissões. Ed. Principis – Agostinho
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6 Comments
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