Nossa Luta Contra o Pecado: Síndrome do Impostor

Eu gosto muito de refletir sobre a origem das coisas, pois é como se pudéssemos vislumbrar aquele momento em que o Deus Trino, olhando para os elementos de um universo disforme, escuro e úmido diz: “Haja luz!” e então tudo começa a fazer sentido e ter significado. E observando o início da humanidade em Adão e Eva podemos compreender que uma guerra foi declarada contra a identidade perfeita deles. O que antes refletia a glória de Deus no governo, cultivo, guarda e multiplicação de vida, se transformou em  cacos de um espelho que foi quebrado pelo pecado.

Daquele casal outras vidas magníficas procederiam, novas identidades cheias de beleza e bondade trariam diferentes formas de refletir o Criador, mas, agora, o que cacos de espelho podem refletir, senão apenas imagens distorcidas? No entanto, em partes, eles ainda refletem os propósitos para os quais foram criados e podem ser restaurados completamente por aquele que os criou.

Quero falar a você que foi tão quebrado como eu pelas inúmeras circunstâncias da vida. Direciono-me a você que sofreu seus primeiros golpes na alma daqueles que deveriam ter te amado, orientado e incentivado e que seguiu recebendo outros tantos golpes dos atos impensados que tomou; das dúvidas que te paralisaram; daqueles que admirava, que pensava serem seus amigos e até mesmo daqueles que, sem mais explicações, ao passarem por sua vida, também te machucaram com as lâminas afiadas que saíam de suas bocas. Falo a você, que se viu em um espiral de confusões sobre si, sobre qual caminho seguir e lutou para ser aceito e amado até mesmo por Deus.

Sim… eu sei, não é fácil ser forte e fingir que nenhum desses golpes ainda doem, mas colocamos nossas máscaras e armaduras para lidar com a dor e apenas nos acostumamos com o incômodo e procuramos um jeito de juntar os cacos da nossa identidade na esperança de um dia sermos inteiros de alguma forma e vivermos o propósito para o qual fomos criados. 

Meu convite a você é: vamos tirar essa máscara e essa armadura? Há um impostor que vive em nós e precisamos seguir levando-o ao Senhorio de Cristo para que seja transformado no verdadeiro eu, para que você seja o que é para a glória daquele que te criou.

Conheça o impostor

A chamada síndrome do impostor não é um termo oficialmente reconhecido na psicologia, mas um padrão comportamental estudado por especialistas da área. Esse fenômeno está associado a traços narcísicos, caracterizados por uma autoimagem idealizada e pela necessidade de validação externa, e à autossabotagem, que pode surgir como um mecanismo de defesa para manter a imagem que desejamos projetar, garantindo aceitação e pertencimento em determinados grupos sociais.

Nessa busca pelo pertencimento através de uma imagem ideal que queremos transmitir, adquirimos uma sensação de que, mais cedo ou mais tarde, descobrirão que não somos tão bons quanto fingirmos ser, e então a insegurança e o medo passam a pautar os nossos atos.

Assim, a síndrome do impostor se manifesta trazendo a ideia urgente de que não podemos estar vulneráveis, nossas sombras e erros precisam ser escondidos, do contrário não gostarão de nós. Nas palavras do escritor cristão Brennan Manning:

“Impostores se preocupam com aceitação e aprovação. Por causa da necessidade sufocante de agradar os outros, não conseguem dizer ‘não’ com a mesma convicção que dizem ‘sim’. Assim, fazem das pessoas, dos projetos e das causas extensões de si, motivados não pelo compromisso pessoal, mas pelo medo de não corresponder às expectativas das pessoas.

Deste lado da eternidade, mesmo os nossos defeitos e nossas fraquezas, podem ser instrumentos nas mãos de Deus para o nosso bem. Somos vasos de barro nas mãos do Oleiro, e se fomos quebrados pelo pecado, nosso e de outros, ele pode nos refazer.

Revele o impostor

Quando olhamos nas Escrituras vemos que um dos maiores profetas sofreu com a síndrome do impostor. É dito dele, em Atos 7:22, que “foi educado em toda a sabedoria dos egípcios e era poderoso em palavras e ações”; sim, Moisés foi um homem que se viu completamente inadequado para a missão de guiar o povo de Israel da escravidão à liberdade.

Quem nunca se emocionou com a magnífica história do bebê que foi salvo da morte por meio de um ato de extrema coragem de uma mãe, Joquebede, que confiou no Senhor e não cedeu à pressão dos egípcios? O início da vida de Moisés já é marcado por atos grandiosos. Em seguida, ele é acolhido pela filha do faraó e é educado e treinado para ser um egípcio da elite.

Segundo o pastor e teólogo Charles Swindoll, em seu livro da Série Herois da Fé: Moisés, um homem dedicado e generoso, nos conta que, provavelmente, Moisés frequentou o Templo do Sol que, para alguns arqueólogos, era considerado a Oxford do mundo antigo. Lá ele provavelmente aprendeu os famosos hieróglifos, uma linguagem de símbolos ou pictogramas altamente estilizados que representavam ideias complexas, além de ter sido educado e treinado em astronomia, filosofia, medicina, artes e táticas de guerra. Nas palavras de Swindoll, Moisés era um jovem da mais alta qualificação:

“Homem ‘poderoso em palavras e obras’ implica a capacidade de atrair as massas. Significa que ele não só possuía intelecto, como também carisma. Falava com facilidade e suas atitudes comprovavam suas palavras. Todos conheciam sua coragem e heroísmo. Moisés – preparado para o trono. O orgulho do Egito! Mas ele era também vulnerável. Não tinha ideia de quão vulnerável. Isso iria, porém, tornar-se óbvio para a nação inteira.

Por todas as suas qualidades, poderíamos dizer que ele era um líder nato. No entanto, ao ver um egípcio maltratando um hebreu, a ira de Moisés inflama em seu coração, ele mata o egípcio e o esconde na areia. Pensando estar livre para continuar com sua imagem de egípcio exemplar intacta, ao tentar mediar uma briga entre dois escravos hebreus, um deles o faz lembrar de que não poderia mais continuar com sua imagem intocada, não poderia ser juiz entre eles, pois ele havia matado um homem.

Diante dessa verdade sobre si, de que havia se tornado assassino, Moisés foge para o deserto de Midiã aos 40 anos e perto de um poço onde os pastores levavam seus rebanhos para tomar água, ele encontra o caminho pelo qual o Senhor o guiou para que ele andasse. Passados mais 40 anos, agora o octogenário Moisés, mais uma vez caminhando pelo deserto, encontra uma sarça ardente que não se consumia pelas chamas. O tempo no deserto o transformou em esposo, pai, pastor de ovelhas e o fez se esvaziar de toda a sabedoria do Egito.

No entanto, mesmo diante de uma sarça que não era consumida pelo fogo e da própria presença de Deus que falava com ele dizendo que o enviaria para ser o libertador dos hebreus e falar as palavras do Senhor ao faraó, por três vezes ele apresenta razões porque Deus havia escolhido a pessoa errada. Moisés duvida de si mesmo (Ex 3:11), se preocupa se os hebreus acreditarão nele (Ex 4:1) e, por fim, aponta sua deficiência para falar (Ex 4.10). Ele olha para si e se desespera, concentra-se em suas próprias habilidades em vez de se concentrar nas habilidades do Senhor que pode capacitar e aperfeiçoar pessoas quebradas para a sua obra. Nunca foi sobre Moisés, mas, sim, sobre Deus, e é nisso que temos que descansar e confiar.

O impostor que habitava em Moisés queria ser aceito e agradar, queria triunfar à sua maneira, mas, quando Deus nos chama, a obediência em amor deve coroar nossa jornada, do contrário não podemos frutificar. Sem ele nada podemos fazer. Os planos de Deus para nós devem ser executados como ele planejou, nos termos dele, porque o objetivo é que a glória e a honra sejam dadas somente a ele.

Pregue ao impostor

Diante da magnificência de Deus, deveríamos nos curvar e nos dispor à sua vontade, mas as dúvidas sempre nos atormentam. Por causa do pecado, somos como abismos, profundos em escuridão, disformes e vazios, necessitados de algo que nos preencha, que nos dê sentido. Até que a maravilhosa luz do Senhor resplandeça e nos inunde, não teremos estabelecido em nós o nosso propósito.

Agora quero convidá-los a fixarem seus olhos em um lugar tão difícil quanto o deserto; especificamente em Roma, na Itália, em uma cela da antiga prisão Mamertina, a última morada do grande Apóstolo Paulo. Vamos meditar em três afirmações de Paulo, aquele que não teve o seu espírito enfraquecido nem mesmo pela prisão e pela humilhação.

 “Porque quando sou fraco, então é que sou forte.” (2Co 12:9-10)

“Agora nós mesmos somos como vasos frágeis de barro que contêm esse grande tesouro. Assim, fica evidente que esse grande poder vem de Deus, e não de nós.” (2Co 4:7)

“Pois sou o mais insignificante dos apóstolos. Aliás, nem sou digno de ser chamado apóstolo, pois persegui a igreja de Deus. O que agora sou, porém, deve-se inteiramente à graça que Deus derramou sobre mim, e que não foi inútil. Trabalhei com mais dedicação que qualquer outro apóstolo e, no entanto, não fui eu, mas Deus que, em sua graça, operou por meu intermédio. Logo, não faz diferença se eu prego ou se eles pregam, pois todos nós anunciamos a mesma mensagem na qual vocês já creram.” (1Co 15:9-11)

Paulo nunca deixou de reconhecer sua insuficiência e, mesmo sob ataque de alguns da Igreja em Corinto que o julgavam como um homem enérgico em suas cartas, mas pessoalmente fraco e de palavras sem valor (cf. 2Co 10:10), também não vacilou em sua identidade, agora, redimida em Cristo, mas sempre entregou suas marcas e cicatrizes a Deus.

Diferente da falsa humildade, que, no fundo, ainda é centrada em si mesma, Paulo sabia quem ele era, não haviam dúvidas que o fizessem se retrair ou desistir da sua vocação, ele sabia que seus dons foram dados pelo Senhor para que ele pudesse fazer sua obra e glorificá-lo em cada detalhe, não importassem quais seriam as circunstâncias. Por outro lado, nós acabamos fugindo, nos escondemos diante das dúvidas que nós mesmos levantamos e que outros levantam sobre nós e, com isso, nos ocultamos do próprio Deus e não vamos a ele para recebermos cura.

Deixamos de depender de Deus e passamos a praticar nosso perfeccionismo, nossa procrastinação, nos tornamos hiperprodutivos ou seguimos nos autossabotando até que as tentativas de ocultar nossos talentos se revelem pelo vento que passa nas rasas dunas de areia do deserto do desespero de “sermos descobertos inadequados”, assim como Moisés fez com o egípcio. Façamos o caminho inverso, como Paulo fez, pois ele não se agarrou às próprias estratégias, mas se rendeu à graça e ao poder de Deus.

Eis um fato: ainda seguiremos quebrados mesmo depois da nossa conversão, porém Deus continua trabalhando em nós em uma obra de restauração trazendo valor a cada cicatriz, tal qual é feito nos vasos de cerâmica emendados com ouro, para que nossas fraquezas e imperfeições sejam ressignificadas e glorifiquem ao Senhor. Quando ele retornar, então, elas se tornarão inteiras e resplandecerão em perfeição pela redenção final que receberemos do nosso Salvador.

Por ora, seguimos pregando para o impostor em nós que seus medos e inseguranças não o definem mais, que agora ele é filho amado de Deus que reflete a imagem e semelhança da Trindade e seus dons foram dados como presentes, não para que seja melhor que os outros ou para que tenha medo de não ser suficiente, mas para que siga em seu maravilhoso chamado de deleitar-se e alegrar-se no Pai, seguindo os passos de Jesus Cristo que, em tudo, foi obediente no trabalho para o Reino, confiando sempre na provisão do Senhor por meio do Espírito Santo. Assim, quando as dúvidas surgirem fazendo mais cacos em sua alma, que você possa ir até o Grande Ourives para que ele faça uma linda obra para a glória do seu Nome.


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