Família, um projeto de Deus: Relação entre irmãos

“Como é bom e agradável os irmãos viverem em união!” – Salmos 133:1

Se fôssemos nos basear na primeira relação entre irmãos que o mundo conhece, teríamos um péssimo padrão a seguir. Aliás, olhando para as famílias da Bíblia, é até difícil encontrar bons exemplos de irmãos que se relacionam de forma saudável e inspiradora, à primeira vista. Alguns exemplos mais detalhados nos apontam inveja e assassinato (Caim e Abel) ou rivalidade pela predileção dos pais (Esaú e Jacó, José e os irmãos). Mas há outras histórias que apresentam melhores cenários, como Miriã cuidando do bebê Moisés e Arão auxiliando o irmão pela peregrinação no deserto. No Novo Testamento, vemos a harmonia e cuidado mútuo entre Maria, Marta e Lázaro, André levando Pedro a Cristo e Tiago e João fazendo parte do círculo concêntrico do Mestre. 

Uma das belezas da Bíblia é nos mostrar exemplos, bons e ruins, de como relações entre irmãos podem acontecer, e como a bondade e misericórdia do Senhor sempre podem fazer abundar unidade e paz, apesar dos erros e limitações que temos. Talvez este seja um tema tranquilo para sua leitura, caso você conviva bem e até seja amiga de seus irmãos de sangue ou de criação, mas existem grandes chances de ser um tópico sensível em seu contexto familiar. Oro para que, durante os próximos minutos, o Santo Espírito tenha liberdade para nos ensinar o padrão de Deus para relacionamentos saudáveis no seio familiar e para que a Palavra mais uma vez traga vida, cura e direcionamento para nosso viver prático.

Unidade sem unanimidade

Em sua análise sobre o versículo citado no início do texto, o teólogo William MacDonald disse que nunca foi a intenção de Deus que todos concordassem em questões secundárias. Interessante essa afirmação, pois é natural desejarmos que nossas opiniões, visões sobre a vida e até posicionamentos específicos sejam aceitos com total concordância. Usando nossas próprias lentes, o mundo é sempre melhor do jeito que o enxergamos. Entretanto, o Senhor é criativo e não fez robôs em série; por isso, deve haver espaço para opiniões que se diferem. O preceito divino é que haja espírito de amor e unidade, ainda que diferenças permeiem nossos relacionamentos. Vejamos o conselho do apóstolo Paulo aos Efésios: 

“Por isso eu, o prisioneiro no Senhor, peço que vocês vivam de maneira digna da vocação a que foram chamados, com toda a humildade e mansidão, com longanimidade, suportando uns aos outros em amor, fazendo tudo para preservar a unidade do Espírito no vínculo da paz.” ‭‭Efésios‬ ‭4‬:‭1‬-‭3‬ 

Irmãos podem conviver em paz sendo únicos em suas opiniões, mas respeitando as diferenças pessoais, sem que isso abale a unidade e o vínculo afetivo.

Respeito com os limites

Não raro, irmãos possuem personalidades muito diferentes, ainda que tenham crescido debaixo do mesmo teto e tenham sido criados pelas mesmas pessoas. É muito comum ver uma irmã tímida e outra extremamente comunicativa, ou um irmão que ama esportes e outro que ama a natureza, por exemplo. Os contrastes de personalidade fazem parte da criatividade divina que nos fez quem somos, e isso é tão belo que deve nos motivar a olhar para nosso irmão com admiração, pois Deus o fez exatamente assim.

A vida em unidade flui bem quando olhamos para essas diferenças com respeito e compreensão. Nem sempre escolhemos o mesmo tipo de atividade de lazer ou frequentamos os mesmos lugares, tampouco convivemos com as mesmas pessoas. E há liberdade nisso, pois a unidade não parte de um modo de viver único. Tudo bem se você gosta de ficar em casa, enquanto seu irmão prefere estar no meio das pessoas e sempre em algum evento. Tudo bem, também, se você gosta muito de estudar e ler livros, mas sua irmã não é de muita leitura. Cobrar o que o outro não pode oferecer só gera frustração e cria barreiras, por isso é importante respeitarmos os limites de cada indivíduo e os nossos também, para que a relação não seja forçada ou soe como obrigação.

É bom deixar claro que esta reflexão está no campo da análise de características pessoais; de forma alguma estou incentivando a concordância com a prática do pecado, pois somos chamados a sermos santos, como Cristo é santo. Ainda que sejamos novas criaturas em Cristo, lidamos com a presença do pecado em nossa carne e todos estamos sujeitos a pecar por atitudes, palavras ou pensamentos. Lembra de Paulo falando aos Romanos? 

“Porque bem sabemos que a lei é espiritual. Eu, porém, sou carnal, vendido à escravidão do pecado. Porque nem mesmo compreendo o meu próprio modo de agir, pois não faço o que prefiro, e sim o que detesto. Neste caso, quem faz isso já não sou eu, mas o pecado que habita em mim. Porque eu sei que em mim, isto é, na minha carne, não habita bem nenhum, pois o querer o bem está em mim, mas não o realizá-lo. Porque não faço o bem que eu quero, mas o mal que não quero, esse faço.”

‭‭Romanos‬ ‭7‬:‭14‬-‭15‬, ‭17‬-‭19‬ 

Cumplicidade nas dores

Poucas coisas na vida trazem mais união do que lutar pelo bem de alguém. Lembro-me de situações em que meu irmão e eu nos aproximamos muito ao cuidarmos de nossos pais com problemas de saúde. A dor comum tem o potencial de nos deixar sensíveis a ponto de relevar diferenças e superar discordâncias, visando o cuidado e o apoio nas lutas.

Cumplicidade é investir em um ponto em comum, que, no final das contas, é o retrato da irmandade verdadeira. O Senhor, por meio de Davi, nos ensina que é bom e suave vivermos em paz, buscando harmonia e cultivando um amor fraternal não fingido. 

Uma ressalva prática

É claro que existem relações entre irmãos que são naturalmente leves e felizes, o que é maravilhoso e inspirador. Mas não faço vista grossa para contextos familiares difíceis, nos quais ocorre criação desigual, rejeição, situações de dor que permeiam a infância e até mesmo a falta de boas referências por parte dos pais ou cuidadores. Para estes casos mais desafiadores, nosso padrão sempre deve ser o que as Escrituras nos ensinam: humildade, respeito, perdão, reconciliação, considerar o próximo superior a si mesmo, amar o próximo como a nós mesmos, buscar o vínculo da paz e evitar conflitos.

Não quero incentivar relações abusivas de nenhuma forma, mas, olhando para a Palavra, encorajar você a vencer barreiras humanas, lutando com armas espirituais. Onde existe mágoa, que o Santo Espírito derrame cura e reconciliação; onde existem limitações comportamentais, que o olhar de compaixão de Cristo nos inspire e capacite a imitá-lo; onde existe distanciamento, que a fé comum promova união; e onde existe jugo desigual (quando um dos irmãos não professa a mesma fé), que nossa vida com Cristo fale alto e nos traga mais aproximação e criação de vínculos.

O Salmo 133 termina com uma afirmação poderosa: “Ali o Senhor ordena a bênção e a vida para sempre.”. MacDonald acredita que esta bênção pode ser entendida de duas maneiras: “Quando há união no meio do povo de Deus, eles próprios desfrutam vida em seu sentido mais autêntico. Além disso, se tornam canais por meio dos quais a vida flui para outros.”

Olhemos para o modelo que o Senhor Jesus deixou para sua Igreja, onde membros entendem a importância uns dos outros e se consideram codependentes. Que essa imagem de corpo unificado, por meio do sangue do nosso Redentor, nos encoraje a investir em relacionamentos familiares permeados de bondade, colaboração, respeito, harmonia e amor genuíno. Tarefa nada fácil, eu admito; mas, temos Cristo e Ele sabe como ser um bom irmão.


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