A Casa dos Espelhos
Artigo escrito originalmente por Mima Pumpkin, e publicado aqui.
Republicado com permissão da autora.
Ela não entendia como eu era capaz de amá-la.
Tentei contar a verdade, mas não consegui.
Às vezes, parece que existe uma distância quase impossível entre os sentimentos mais profundos e os verbetes do dicionário. Aí só nos restam gemidos inexprimíveis.
Ou histórias.
E essa é a história de porquê a amo:
Era uma vez, uma casa de espelhos, dessas de parques de diversões antigos, só que essa era muito esquisita.
Quando por lá estive, para todo lado que olhava, não importava a direção, era só a mim mesma que via, mas, ao mesmo tempo, de certa forma, não exatamente eu. Porque ali, seguindo os caprichos arbitrários da curvatura do vidro, estava eu um tanto mais alta, ou muito mais baixa, ou mais gorda, ou mais magra, ou curva, ou deformada. A diferença é que, nessa casa específica, havia muito além do que essas variações habituais.
Porque ali me vi também mais velha, ou muito jovem, menos querida, ou desprezada, mais instruída, mais atrevida, menos sincera, mais machucada, muito mais bonita, ou muito marcada, ou desiludida ou desamparada.
Era eu com escolhas diferentes, sob os caprichos de tantas oportunidades tomadas ou nunca recebidas, afetos e efeitos externos, versões tão variadas do que poderia ser ou ter sido; rostos, por vezes, tão distorcidos, que até mesmo desejava não ser capaz de me reconhecer neles. “Não, essa não sou eu…” “Jamais seria assim…” “Que tipo de ser humano é desse jeito?”
Podia tentar desviar o olhar com uma careta, girar os olhos ou zombar. Mas, não adiantaria. Era eu ali do outro lado. Eu pude me enxergar num retrato aterrador de miséria e num outro de quem se entregou para as pessoas erradas e naquele outro ainda de alguém que nunca foi amada e naquele de alguém totalmente dominada pelo vício. Olhei nos olhos de uma eu que foi abandonada e abusada de todas as formas possíveis. Tudo que pude fazer, com lágrimas nos olhos, foi amá-la de todo coração. Porque podia ser eu no lado de lá. Do outro lado, onde tudo é invertido—a direita é esquerda e o certo é errado. E se a versão que vivo não estivesse comigo?
Eu disse a ela, acariciando o contorno de suas bochechas:
— Você é linda, minha princesa.
Ela olhou para seu próprio rosto exageradamente alongado, seu tronco distorcido num caracol e chorou.
— Lute, meu amor. — gritei para ela. — Estenda seus braços para cá, caminhe em frente, venha para esse lado do espelho.
Ela balançou a cabeça, esfregou os olhos e hesitou. Seus dedos se esticaram e se apertaram num punho firme enquanto ela cogitava a possibilidade de criar para si mesma uma nova realidade. Mas, por fim, sentou-se no chão resoluta e gritou:
— É fácil para você falar. — Com uma ênfase desdenhosa no você. — Nasceu aí, nem precisou se esforçar para se tornar outra. Olha para mim, olha como eu sou.
É necessário espancar os próprios conceitos, duvidar dos sentidos e sempre ir além do próprio reflexo. É só estilhaçar essa fina camada de ilusão que nos separa. Você, minha querida, pode ser tão melhor do que isso.
Você, minha querida, pode ser tão melhor do que isso. Click To TweetMas, ao invés disso, ela se sentou num amontoado distorcido do que se tornou, fadada à receita de sonhos despedaçados que lhe foi prescrita. Eu sei que é muito difícil. Mas, quando nada mais sobra, que outra opção há, além de lutar?
Foi aí que, enquanto observava entristecida a apatia e a desesperança da minha versão que não acredita em outras possibilidades, me sobreveio um pensamento magnífico e assustador:
E se essa versão de mim, que sou, também está aprisionada dentro de um espelho distorcido? E se, entre tantos milhares de reflexos, existem versões de mim tão melhores do que eu poderia ser aqui deste lado? Será que também eu, nascida nas circunstâncias que nasci, poderia alcançar uma outra dimensão?
As probabilidades estatísticas me disseram que sim.
Então, agora sei que há em algum lugar, também para mim, um espelho a ser quebrado, um limite que não precisa ser respeitado, uma distorção que só existe na minha visão e, sempre, sempre, a possibilidade de deixar milhares de cacos no chão.
Sempre há luta.
E, sempre, possibilidades.
É por isso que eu a amo. E é por isso que você é linda. Não importa de que lado esteja.
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Quando descobri a escrita da Mima, me apaixonei de cara. Foi assim mesmo, rápido e certeiro. E aí viramos amigas de alma. E eu insisti que ela me permitisse postar alguma coisa dela por aqui, porque eu queria que vocês pudessem também ser abençoadas por seus textos.
E esse texto aqui, em especial, que sentimentos incríveis senti quando o li. Sentimentos de que eu também preciso quebrar muitas coisas em mim e deixar aflorar o que eu realmente preciso, e posso, ser.
Se vocês gostaram da escrita da Mima, eu recomendo MUITO que leiam o livro dela “Sons de Ferrugem e Ecos de Borboleta”. Ela deixou que eu lesse ele inteiro e, céus!, fiquei apaixonada na história e nos personagens. Se você também quiser se apaixonar, o link pro livro é esse, e ela posta um capítulo novo toda semana. Encontre a Mima também nas redes sociais: Facebook / Twitter / Blog.
Em Cristo,
5 Comments
Já adicionei o livro na minha biblioteca para ler 🙂
Que bom! Tenho certeza que vai gostar 🙂
Vou procurar o livro com certeza 🙂
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