As Parábolas de Jesus: Os Dois Devedores
Quem é Jesus? Essa é uma pergunta crucial, quando consideramos as alegações que ele faz sobre si próprio, bem como os efeitos históricos de tais alegações. Em Lucas 7.36-50 há uma cena emblemática, o encontro de Jesus com duas pessoas bem contrastantes, que pode nos mostrar como a Bíblia espera que respondamos a essa importante questão.
Essa história é encontrada nos quatro Evangelhos, mas no livro de Lucas é apresentada de forma especial. Enquanto nos outros livros há a introdução de outros personagens e uma ênfase em outros detalhes da narrativa, em Lucas somos conduzidos de forma direta e sem distrações. Ali, nos é mostrado não apenas as perspectivas de dois personagens — um anfitrião fariseu e uma penetra pecadora — sobre a pessoa de Jesus, como também os efeitos dessas perspectivas.
Antes de tudo, é importante observar a relação entre o fariseu e Jesus. Não se pode negar que esse personagem distinto tem seus méritos, afinal, ele convida Jesus para sua casa. No entanto, a demonstração de afeto por parte dele se resume apenas a isso. Vemos que o primeiro versículo é breve e não mostra qualquer tipo de reverência do fariseu em tratar Jesus como convidado de honra.
Essa postura chama muita atenção, concorda? Ainda mais se olharmos para o fariseu e lembrarmos que ele era um estudioso do Antigo Testamento. Ele era alguém que conhecia cada letra das Escrituras, que falam sobre o próprio Jesus, como vemos em Lucas 24:27.
Seguindo a leitura, o versículo 39 diz que:
Quem é Jesus?
Querida leitora, você se lembra do que é dito em Mateus 16, quando Jesus pergunta aos seus discípulos sobre o que a multidão falava a respeito de quem ele era? A multidão responde de forma equivocada ao dizer que ele era apenas um dos profetas antigos ou algo do tipo, não conseguindo definir com precisão quem Cristo é, mas o reconhecendo como alguém especial e singular.
Agora, o fariseu, um homem estudado e conhecedor das Escrituras, ao olhar para Jesus, não percebe nada. Este nem sequer reconhece Jesus como um profeta, muito menos como o Deus encarnado.
A pergunta que surge é: como um homem cheio de instrumentos nas mãos não consegue reconhecer e amar Jesus? A resposta é apresentada por meio de uma parábola a partir do versículo 40.
Parábola dos Dois Devedores
Os dois personagens da parábola eram devedores. Mesmo que suas dívidas fossem de valores diferentes, isso não altera o fato de que ambos tinham uma dívida a pagar, não é verdade? Além disso, ambos eram incapazes de quitar suas dívidas, independentemente de serem grandes ou pequenas. No final das contas, eles estavam na mesma situação.
No entanto, o personagem que compreende a profundidade do seu contexto geral desenvolve um amor mais profundo por aquele que o libertou, enquanto o outro, que se sente, por assim dizer, menos perdoado, demonstra um amor vazio e sem frutos.
Com esta parábola, Jesus confronta o anfitrião de modo incrível. Primeiramente, como vimos, o fariseu “pensou” algo ruim de Jesus, mas não o expressou abertamente. Mas Cristo demonstra sua divindade ao “ler a mente”, por assim dizer, do anfitrião.
Em segundo lugar, ele não defende a sua identidade, mas escancara a pequenez do próprio fariseu. O problema não é “quem Jesus é?”, mas quem ele é “para mim”. O anfitrião se achava especial, bem sucedido e independente. Logo, sem muitas razões para admirar e amar a Cristo.
De certa forma, ele se considerava alguém especial e não necessitado. Como fariseu, ele possuía um profundo conhecimento da lei e se esforçava para obedecê-la rigorosamente.
Além disso, considerando o fato de que ele tinha condições de oferecer jantares especiais, podemos imaginar que ele possuía certa riqueza, o que, dentro do contexto judaico, era interpretado como um sinal de aprovação divina (considere, por exemplo, as bênçãos e maldições de Deuteronômio).
Em sua própria visão, ele, um grande fariseu, não se via dependente de ajuda, perdão e graça. Estava alheio à sua própria condição miserável e, como consequência, à maravilhosa presença que estava diante dele. O anfitrião nem sequer considerou a possibilidade de Jesus ser um humilde profeta.
Por um lado, na visão do fariseu iludido com os próprios méritos, temos um Jesus fraco e sem graça. Por outro lado, temos o grandioso Jesus da mulher pecadora que, humildemente, reconhece as suas necessidades.
Enquanto o fariseu, movido apenas pela curiosidade, convidou Jesus para um jantar, a pecadora ultrapassou os limites sociais do bom senso e da vergonha, e foi até Jesus, mesmo não sendo convidada para o jantar, conforme descrito no versículo 37.
Tudo o que um escravo deveria fazer por ser obrigatório, a pecadora fez a mais por Cristo, de bom grado, como manifestação de um amor profundo por Ele, realizando tudo com alegria como expressão do valor inestimável que Ele tinha para ela.
A descrição de seus atos amorosos torna-se ainda mais intensa quando contrastada com a indiferença do anfitrião, como pode ser observado nos versículos 44 a 46, quando é o próprio Cristo quem conduz essa narrativa. E quando chegamos ao versículo 47:
É importante destacar que o perdão não foi, em nenhum momento, condicionado ao amor. Ela não foi perdoada porque amou. Pelo contrário, ela amou justamente porque foi perdoada.
A penetra, ao contrário do fariseu, reconhecia plenamente sua condição de devedora e compreendia que não poderia pagar sua dívida. Sua única reação possível era amar profundamente aquele que a libertou da escravidão de sua dívida. Ela reconheceu sua necessidade de Cristo, razão pela qual experimentou a paz que Cristo oferece, conforme mencionado no versículo 50.
Aplicação para nós
Querida irmã, quantas vezes não nos assemelhamos — mais do que gostaríamos de admitir — ao anfitrião?
Não nos consideramos tão pecadoras, afinal não cometemos pecados escandalosos e socialmente condenados. Estamos cegadas pelo que acreditamos ter conquistado, ou que achamos que devemos conquistar, e não conseguimos perceber a grandiosidade de Deus bem diante de nós. Isso é motivo de lamentação.
Querida irmã, nestes tempos tão difíceis que passamos deste lado da eternidade, podemos ter a certeza de que, em Jesus, temos essa paz ao nosso alcance também.
Em Jesus, fomos perdoadas e alcançadas pela graça de Deus. Ele transformou nossos corações e nos deu uma nova vida capaz de experimentar o Reino de Deus. A partir dessa realidade, podemos responder apropriadamente ao amor de Jesus, o adorando como o nosso maior tesouro.
Receber o perdão e a paz de Cristo nos leva a dedicar nossa vida a Ele, o que nos torna participantes de sua missão. A narrativa é bastante interessante, pois enquanto a pecadora é perdoada, muitas pessoas se questionam sobre o que testemunham. Talvez, para alguns daqueles presentes, aquele tenha sido o início da jornada de encontro com Cristo.
Encerro esse texto reforçando um grande privilégio que essa narrativa nos oferece: não só podemos experimentar a paz de Cristo, mas também temos a oportunidade de revelar a glória de Deus àqueles que não o conhecem, que ainda estão aprisionados em sua dívida com o Criador. O mundo não precisa de qualquer ativismo humanista, mas de pessoas conscientes da graça indescritível que receberam de Cristo, e ativamente respondendo a ela de modo apropriado, com adoração e gratidão.
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