A Noite Escura da Alma: O Vale da Sombra da Morte e a Luz da Esperança

A sensação de aperto no peito é grande, o sentimento de estar encurralado, o ar parece faltar, a visão fica turva, não se consegue enxergar direito o que há em volta. O perigo é iminente, a derrota parece certa, já a saída, inexistente. Geralmente essa é a nossa percepção da vida quando atravessamos o vale da sombra da morte, aqueles momentos de dificuldades que chegam para todos em algum passo da caminhada.

É natural que o ser humano deseje uma vida feliz, sem problemas e tristezas, afinal, ele foi criado para isso. Todavia, desde que o pecado entrou no mundo, temos que lidar com desequilíbrios, injustiças e calamidades debaixo do sol. Os pés criados para desbravar o jardim do Éden agradável e cheio de vida,  agora percorrem também o vale da sombra da morte.

Uma visão distorcida do cristianismo afirma que o cristão não sofre e somente os fracos na fé enfrentam lutas, pois o encontro com Jesus supostamente traz vitória e sucesso. Tal abordagem influencia muito a forma como tanto a igreja quanto o crente que passa por isso lidam com essas questões. Por vezes a tristeza é abafada, prolongada, e até aumentada, devido a reações erradas. No entanto, essa forma de enxergar a realidade é totalmente desconstruída assim que abrimos a Bíblia. Deus não poupa seu povo – e nem mesmo o próprio Filho – de atravessar momentos difíceis deste lado da eternidade. 

O famoso salmo 23 nos lembra da possibilidade do sofrimento:

“Ainda que eu ande pelo vale da sombra da morte, não temerei mal nenhum, porque tu estás comigo; o teu bordão e o teu cajado me consolam.” (Sl 23.4)

Nesse texto, gostaria de me direcionar aos peregrinos que atravessam o vale da sombra da morte, seja por causa de um diagnóstico médico, do luto, da perda de algo importante, de um transtorno mental, de uma situação aparentemente sem saída, ou de qualquer outro cenário que enegreça sua alma, te faça temer e evidencie o quão frágil você é. Não quero trazer frases prontas e vazias no estilo “vai dar tudo certo”, mas ser a voz que te lembra de verdades eternas e imutáveis, capazes de te reerguer e te sustentar na caminhada.

1 – Deus está no trono

Dentro do vale muitas vezes só enxergamos os montes das dificuldades ao nosso redor, parece que a vida se resume a isso, não há nada além. Nos sentimos soltos, à mercê do caos, do acaso ou das forças do Universo. Todavia, o Senhor continua onde sempre esteve: em seu alto e sublime trono, governando todas as coisas. Não foi um acidente de percurso que te levou a esse lugar, mas a mão da providência conduziu cada situação que levou exatamente a esse tempo.

Por mais que você não tenha o controle do curso de sua vida, o Senhor ainda tem poder, tanto para te manter, quanto para te tirar de onde você está. Embora a impressão seja de estar vagando de um lado para o outro como um pequeno barco à deriva no vasto mar, esse episódio da sua história está se desenrolando conforme escrito pelo Autor:

“cada dia de minha vida estava registrado em teu livro, cada momento foi estabelecido quando ainda nenhum deles existia.” (Sl 139.16)

2 – Tudo tem um propósito

Em meio à dor nada parece fazer sentido. Além disso, há dores tão agudas que não aparentam ter outra finalidade a não ser nos esmagar. Somos seres humanos limitados e não conseguimos enxergar além; entretanto, se ele segue reinando, continua conduzindo todas as coisas conforme sua soberana vontade. Afinal, 

“sabemos que todas as coisas cooperam para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são chamados segundo o seu propósito. Porquanto aos que de antemão conheceu, também os predestinou para serem conformes à imagem de seu Filho, a fim de que ele seja o primogênito entre muitos irmãos.” (Romanos 8:28-29)

Em várias passagens, a Bíblia ilustra o processo de aperfeiçoamento que o Senhor realiza em seus filhos através da figura do ourives purificando a prata e o ouro, os quais são submetidos a altas temperaturas para ficarem livres de impurezas. Por semelhante modo, Deus pode usar o sofrimento como fogo para retirar tudo aquilo que obstrui a imagem de Cristo Jesus em nós – ele nos santifica.

Além de nos tornar mais santos, outro propósito é forjar em nós um testemunho para outras pessoas. Quanto encorajamento nos vem por intermédio do sofrimento de Jó, da trajetória de José, da tristeza de Elias e dos salmos de lamento de Davi. Ah, se não fosse o vale da sombra da morte na vida desses irmãos! 

“Bendito seja o Deus e Pai de nosso Senhor Jesus Cristo, o Pai de misericórdias e Deus de toda consolação! É ele que nos conforta em toda a nossa tribulação, para podermos consolar os que estiverem em qualquer angústia, com a consolação com que nós mesmos somos contemplados por Deus.” (2 Co 1.3,4)

É por meio de nossas dores, choros e fraquezas que o Senhor nos aperfeiçoa diante dele, promovendo a santificação, e dos homens, gerando em nós compaixão pelos que sofrem e encorajamento para os que convivem conosco. Como diz Elisabeth Elliot: “o sofrimento nunca é em vão.”

3 – Deus é contigo

A solidão é um sentimento comum do viajante que passa pelo vale da sombra da morte. As pessoas não podem ficar o tempo todo nos amparando, seja por egoísmo delas, seja porque precisam cuidar de seus afazeres. A vida parece seguir para todos ao nosso redor, enquanto ficamos envolvidos por uma teia de sofrimento e abandono.

No salmo 23.4, Davi afirma que não teme passar por momentos difíceis, pois o Senhor está com ele. O bordão e o cajado do pastor serviam para proteger o rebanho de animais ferozes, guiá-lo e puxar de volta as ovelhas que se afastavam. Enquanto atravessamos o vale, o Senhor governa no alto, como Rei, mas também está ao nosso lado, como Pastor que cuida de sua ovelha. É maravilhoso pensar que ele ordena o nosso caminho, ao mesmo tempo em que trilha ele conosco.

Elias escondido na caverna pensou estar sozinho, mas o Senhor estava no vento suave. Os três amigos de Daniel na fornalha ardente tiveram a companhia do próprio Deus. Os mártires da Igreja desfrutaram da paz que somente a presença de Jesus proporciona. Já Cristo, na cruz, sofreu o abandono de seus amigos e do Pai, foi dilacerado por dores imensuráveis, sem ter quem o consolasse e ele nos garante sua presença constante e seu olhar compassivo para com nossas fraquezas (Hb 4.15).

O Senhor Jesus atravessou o vale da morte e saiu dele vitorioso. Graças ao Supremo Pastor de nossas almas, nós precisamos encarar apenas o vale da sombra da morte, pois a morte foi derrotada e não tem mais poder sobre nós. Embora as circunstâncias pareçam indicar o contrário, nós já vencemos. Enquanto marchamos todos os dias rumo aos pastos eternamente verdejantes, bondade e misericórdia nos cercam. Essa é a luz da esperança que brilha dissipando nossa escuridão. 


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