A Noite Escura da Alma: Nas Sombras da Depressão
Mais um Setembro Amarelo chegou e com ele vem um cuidado maior em falar sobre dor, sofrimento, ansiedade e depressão. Esse é um mês muito importante na atualidade, o qual tem como missão conscientizar, abraçar e acolher pessoas que enfrentam transtornos mentais, dores as quais, muitas vezes, não são visíveis aos olhos.
No entanto, para além de ser apenas um mês de campanha, esse pode ser um tempo de escuta, de empatia ou de reverência ao silêncio de quem não consegue colocar em palavras o que está sentindo. Pode ser um tempo de realmente se abrir espaço não para respostas prontas, mas para presença, cuidado e graça.
E é com esse coração que escrevo.
Não escrevo por ser especialista no assunto ou por ter passado pela depressão em sua forma mais profunda, mas por já ter caminhado perto o suficiente para sentir sua sombra. Já estive ao lado de quem amava muito e não conseguia sorrir. Já vi olhos apagados tentando continuar a ver a beleza da vida. Já me vi, às vezes, tão perto desse abismo, mesmo com a Bíblia aberta no colo. Por isso sei que devemos falar mais sobre esse tema. Porque essa dor – mesmo quando não é em nós – atravessa a nossa alma, pois pode ferir quem mais amamos.
O meu desejo é que esse texto seja, para você, um lugar de acolhimento. Se você já passou por isso ou conhece alguém que está passando, que ele sirva como um sopro de esperança, uma luz, ainda que pequena, apontando para Aquele que nunca nos deixa sozinhas, nem mesmo quando a alma pesa. Que a Palavra de Deus nos guie nessa conversa, com verdade e ternura, e que a graça nos abrace enquanto seguimos.
O que é a depressão?
A depressão não tem uma origem única. Ela é complexa e cheia de camadas, como se fosse uma cebola que a gente vai descascando aos poucos, às vezes com lágrimas nos olhos. Segundo especialistas, o que desencadeia esse tipo de sofrimento é uma soma de fatores: o corpo, a mente, as emoções e até o ambiente em que vivemos. Tudo está interligado.
Há, entre os fatores que podem levar à depressão, questões biológicas, como uma predisposição genética, alterações nos neurotransmissores e até mudanças na estrutura do cérebro. Existem também os fatores psicológicos, como traumas antigos, padrões de pensamento negativo e o estresse constante que vai acumulando, sem que a gente perceba. E ainda temos os aspectos sociais – perdas, rupturas, solidão, pressões do dia a dia… tudo isso pesa. Ah, e vale lembrar: algumas doenças crônicas e certos medicamentos também podem contribuir para o surgimento da depressão.
É importante dizer: a depressão precisa ser acolhida com cuidado e tratada com seriedade. Assim como cuidamos de uma gripe, de uma infecção ou de qualquer outra doença física, também devemos buscar ajuda médica, psicológica e espiritual para cuidar da nossa alma. Terapia é bênção e digo isso do lugar de quem usa desse meio para trazer luz e clareza a muitos pensamentos e experiências ruins vividas. Remédio, às vezes, é necessário, e isso não faz o seu tratamento ser pior ou melhor. Oração é essencial em qualquer situação. Não subestime o poder de falar com o próprio Deus sobre os seus sentimentos e emoções.
A medicina e a fé
A oração conforta nosso coração, a palavra traz cura à nossa alma e a presença de Deus nos é suficiente. No entanto, às vezes, o cuidado Dele também chega em forma de consulta, terapia e, sim, até de antidepressivos. Nem sempre é necessário, é verdade, e nem todo mundo vai seguir por esse caminho, mas, para quem precisa, a medicação não deve ser vista com desconfiança, e sim com discernimento e seriedade. A medicação pode ser vista como a graça comum de Deus aos homens.
John Piper, em sua obra Quando a escuridão não passa, afirma com convicção:
“É claro que, por si mesma, a medicina nunca é a solução para a escuridão espiritual. Depois que a medicina cumprir seu trabalho, todos os assuntos fundamentais da vida ainda devem ser trazidos para um relacionamento apropriado com Cristo. Antidepressivo não é a solução definitiva. Cristo é.”
Cristo é o começo e o fim de todas as coisas. Ele pode usar medicamentos como um meio, mas nunca será só isso. Buscar ajuda médica não enfraquece a fé. Receber um diagnóstico não anula a esperança e tomar um remédio, quando bem orientado, não significa falta de confiança em Deus – às vezes, é justamente uma resposta Dele. Fé e medicina não competem e, em casos assim, ainda podem andar de mãos dadas. Porque, no fim, tudo vem Dele, tudo passa por Ele e tudo é para Ele. Até o cuidado mais comum pode carregar um toque de graça.
Crentes também têm depressão?
Você pode amar profundamente a Jesus e ainda assim acordar sem forças. Pode crer com todo o coração e, mesmo assim, não conseguir sair da cama. Pode ser luz para tanta gente e ainda assim sentir que vive em sombras.
Sim, crentes também enfrentam a depressão!
Não é de hoje que ouvimos histórias de servos e servas de Deus que passaram por esse vale escuro. Desde os tempos bíblicos, vemos nomes como Jó, Davi, Elias, Jeremias e até mesmo o apóstolo Paulo lidando com dores profundas da alma. Ao longo da história da Igreja, também encontramos exemplos como o pregador Charles Spurgeon, o escritor John Bunyan e tantos outros líderes fiéis ao Senhor, que confessaram ter enfrentado períodos de profunda tristeza e melancolia (como era chamada a depressão na época).
Há um trecho precioso no livro Quando a escuridão não passa – Vivendo com esperança em Deus em meio à depressão, do pastor e teólogo John Piper, no qual ele reflete acerca de uma citação de Richard Baxter – um puritano do século XVII – e sua abordagem sobre a “melancolia” entre cristãos. Piper escreve:
“Prefiro dizer, no mínimo, que todos aqueles que de fato creem em Cristo têm dentro de si a semente da alegria e a experimentam em alguma medida. Talvez não tenham o ‘florescer’ da ‘verdadeira religião’, mas têm a vida – ainda que essa vida seja apenas uma semente de mostarda de alegria eterna para a alma (Sl 34.8; 1Pe 2.2,3). Mas o paladar, embora revele a presença de uma verdadeira vida espiritual, é facilmente sobrepujado pelo dilúvio de escuridão que ameaça engoli-los.”
Ou seja: é possível ter fé genuína e, ainda assim, passar por tempos nublados, escuros e sem cor. A depressão não é necessariamente sinal de incredulidade ou fraqueza espiritual. Ela pode ser o resultado de múltiplos fatores: físicos, hormonais, psicológicos, emocionais, espirituais… Somos corpo, mente e espírito e tudo isso se entrelaça de forma muito complexa. A verdade é que a nossa fé não nos isenta da dor, mas ela nos ancora, nos sustenta e nos firma na Rocha.
John Piper ainda afirma, em outro trecho do mesmo livro:
“Essa é a rocha sobre a qual nos firmamos quando nuvens escuras se amontoam e a enchente bate em nossos pés: a justificação é totalmente gratuita (sem nenhum mérito nosso), somente pela fé (sem nenhuma obra nossa) e fundamentada somente em Cristo (sem nenhuma retidão nossa), somente para a glória de Deus (e não a nossa).”
Essa é a verdade que nos guarda nos dias bons e nos dias maus. É por causa dessa graça imerecida que, mesmo em meio à tristeza, podemos continuar – um passo por vez.
“Por que você está assim tão triste, ó minha alma? Por que está assim tão perturbada dentro de mim? Ponha a sua esperança em Deus! Pois ainda o louvarei; ele é o meu Salvador e o meu Deus.” (Sl 43.5)
Assim como o salmista Davi clama à sua alma em meio a uma tristeza profunda para esperar em Deus, nós, enquanto cristãos que não estamos ilesos de sofrer com a depressão, sabemos que mesmo no mais profundo poço, Deus, o nosso salvador, é capaz de nos resgatar.
Até quando, Senhor?
“O choro pode durar uma noite, mas a alegria vem de manhã.” (Sl 30:5)
Em algum momento, inundadas pela sombra da tristeza, da solidão e do sofrimento, talvez já tenhamos feito essa pergunta em silêncio: “Até quando, Senhor?” Quando a alma dói, quando os dias perdem a cor, quando o corpo pesa… é difícil acreditar que haverá manhã.
Mas a promessa do Salmo permanece de pé. O choro pode, sim, durar uma noite – ou muitas, mas, para aqueles que esperam no Senhor, a alegria virá. Talvez não como um clarão imediato, mas como um fio de luz entrando pela fresta da janela. E isso é suficiente. A dor pode ser real, mas a presença de Deus também é. O tempo do choro pode ser longo, mas a promessa de paz e alegria também durará para sempre. O Senhor não se ausenta nas sombras. Pelo contrário, é ali que Ele mais se aproxima, sussurrando: “Eu estou aqui. Você não está só.”
Até quando? Não sabemos. John Piper mesmo disse que teve irmãos na fé que viveram mais de oito anos nesta condição, mas de uma coisa nós não temos dúvidas: Jesus estará conosco. Se durar dias, semanas, meses, anos… Se esta sombra só se dissipar quando Jesus voltar ou formos estar com Ele, ainda assim, a presença de Deus nos dará graça e misericórdia para viver esses dias.
Conversa de amiga: como abordar a depressão
Agora, diante de tudo o que foi dito, queria deixar alguns passos práticos para podermos ajudar umas às outras e estender esse cuidado para além das palavras escritas aqui. O que podemos fazer, de verdade, para apoiar quem está ao nosso redor e também cuidar de nós mesmas?
- Reconhecer que a depressão existe;
- Não minimizar, não ignorar, não espiritualizar o que precisa ser acolhido com humanidade. Validar a dor do outro já é um grande começo;
- Lembrar que sentir tristeza não é pecado. Cristo chorou. Cristo sentiu angústia. O pecado foi carregado por Ele na cruz, não está no nosso sofrimento;
- Buscar ajuda com humildade e coragem. Profissionais, amigos, pastores e conselheiros. Elias foi sustentado por anjos e alimentado no deserto – ele não saiu daquele lugar sozinho. E a gente também não precisa sair;
- Orar com atitude. O Salmo 42 nos ensina que mesmo com a alma abatida, ainda podemos clamar. Ainda podemos esperar. Ainda podemos confiar. Mesmo que com voz fraca e mãos trêmulas, há poder quando nos voltamos para Deus.
No fim das contas, viver à sombra da depressão é difícil, mas não é um caminho que deva ser trilhado na solidão. A tristeza pode até nos isolar, mas o amor de Deus, e o amor uns pelos outros, nos alcança onde estivermos, e da forma mais simples possível.
Minha amiga, eu definitivamente não sei o que você está sofrendo, não leio os seus pensamentos e não sei do seu passado, mas eu conheço quem sabe! Sabemos quem te conhece desde o ventre e é a este Senhor, este Amado, este Jesus, que nós clamamos por luz para as nossas sombras.
Confie em Cristo, Ele é contigo.
Fonte:
Quando a Escuridão não Passa – Vivendo com esperança em Deus em meio à depressão – John Piper
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