Vida cristã: a partida e o norte

A vida cristã é uma constante corrida, e não foi à toa que o autor de Hebreus fez este paralelo ao escrever a carta.

Os elementos básicos são os mesmos: corredor, treinador, percurso, objetivo, obstáculos, atalhos, desafios pessoais, cansaço, vitória.

A largada

Participei da minha primeira corrida de rua em 2014. Desafio básico, de apenas 5 quilômetros. Não parecia uma longa distância até o momento em que ultrapassei a largada e comecei a sentir aquele clima de desafio no ar. Enquanto eu caminhava em passos rápidos, alguns competidores já se encontravam a 1,5km de distância, suando bastante e arfando de cansaço. Ao alcançar determinado ponto do percurso, havia uma curva de retorno, indicando que o restante do trajeto já era a volta para a linha de chegada. Enquanto eu passava pela marca de 2km, alguns já estavam nos 3,5km e isso me frustrou. Eu nunca chegaria nesse nível.

No decorrer destes quase 5 anos participando de corridas, ainda não posso dizer que alcancei o nível de estar no trajeto de volta enquanto alguns estão iniciando o desafio. Mas, já não me frustro, pois entendi que corridas são muito mais voltadas à desafios pessoais do que uma competição.

E é aqui que começam os paralelos com a vida espiritual. Apesar de sabermos que o alvo é comum a todos (o encontro com Jesus), há uma corrida proposta a cada um. Uma história única que não compete com nenhuma outra. É a obra que Cristo faz em nós e em ninguém mais. É a morte da nossa carne, a mudança dos nossos hábitos, a luta contra os nossos pecados escondidos. Não se trata de uma competição para ver quem ficará mais espiritual em menos tempo. Mas, sim, de uma luta constante para irmãos que correm juntos, o mesmo trajeto no mundo todo, cada um com uma experiência única.

Aquilo que me dá esperança

Lembro-me do momento em que senti dificuldades de respirar, e pensei “o que estou fazendo aqui? quem disse que eu poderia correr? como é que faço para acabar logo com esse sofrimento?”.

A resposta estava pronta: eu mesma aceitei o desafio. Sabia no que estava me metendo e que, sim, havia um final, não seria um “sofrimento” eterno. Mas, no meio da corrida, nosso raciocínio lógico tende a falhar.

Isso me faz lembrar um trecho da música “Tempestade”, da banda Canto: “Mas quando em meio a uma tempestade estou, o meu fraco coração me faz falhar e duvidar de que o Senhor é soberano e vai cuidar, pois nessa vida passarei por aflições, mas Ele venceu.”

Olhei para o lado e vi duas senhoras idosas caminhando em passos mais lentos do que os meus. Que coragem a delas! Mais a frente, um senhor que aparentava ainda mais idade e, pasmem… estava CORRENDO. Isso sim é que é incentivo. Eu, no auge dos meus 24 anos, estava ofegante e com o coração cheio de murmurações contra meu condicionamento físico e minha decisão em ter aceitado participar da prova. Foi só olhar para os lados para perceber que é possível suportar, respirar fundo e continuar.

Assim como Cristo suportou a cruz, em troca da alegria que Lhe estava destinada no final da jornada. Essa, queridas, é uma Esperança genuína. O trajeto pelo qual nossos passos correm já foi pisado por Cristo. E se Ele venceu, nós também seremos vencedoras.

Linha de chegada

Os últimos metros são os mais difíceis. A força vai acabando, o fôlego se despede do pulmão e as pernas parecem pesar uma tonelada. Você vislumbra a linha de chegada, mas parece o fim de um túnel que nunca para de se alongar. Para motivar os esbaforidos, a organização posiciona placas informativas a cada 100 metros percorridos. E aí é uma grande provação. Você se esforça, suplica ao cérebro que mande energia para as pernas, dá pequenos impulsos de velocidade e… percebe que se passaram apenas 100 metros. Então, esse processo precisa se repetir por várias vezes. Assim também é na vida cristã. Quando focamos nos nossos próprios esforços, temos a ilusão de fazer um grande progresso, mas é só mais um pouco de “poeira de nada”.

Enfim, quando a linha de chegada está a apenas 10 metros, parece que toda a energia do corpo se direciona para as pernas, e você atravessa o alvo como se nunca estivesse sentido vontade de desistir.

É essa a sensação que aguarda os cristãos no encontro com o Senhor.

Não sabemos quanto ainda falta para alcançarmos a nossa linha de chegada, mas a vida cristã não é sobre saber. É sobre crer que a linha de chegada existe, que está lá esperando pelos fiéis. É sobre ter certeza de quem vamos encontrar.

Correr pelo “prêmio da soberana vocação” é mais do que manter uma rotina de “treinos” espirituais, envolvendo devocionais, idas à igreja, comunhão com outros crentes, entre outras coisas. É sobre olhar para os lados e ver que não estamos sozinhos no percurso; é sobre olhar para a frente e enxergar as pisadas de quem chegou em primeiro lugar; é sobre lutar contra os pensamentos de desânimo e frustração; é sobre seguir em frente, mesmo que em velocidade reduzida; é sobre não parar.

Estêvão Queiroga canta em “A partida e o norte”: “eu, caminhante, quero o trajeto terminado. Mas, no caminho, mais importa o durante.”

Enxergando além da linha de chegada

“Portanto nós também, pois que estamos rodeados de uma tão grande nuvem de testemunhas, deixemos todo o embaraço, e o pecado que tão de perto nos rodeia, e corramos com paciência”.

Nas corridas de rua, nos deparamos com diversos espectadores na largada, no meio do percurso e, principalmente, no final. Eles esperam pelos vencedores e alguns deles até vibram com os corredores. São como nossos amigos e irmãos em Cristo em nossas vidas. Muitas vezes, é olhando para estas testemunhas que conseguimos reunir as forças para abandonar o pecado que nos rodeia. Saber que estão nos observando traz um peso que promove mudanças e aumenta a perspectiva dos nossos objetivos, pois sabemos do nosso dever em ser uma referência, em dar bom testemunho.

Mas, talvez, o ingrediente secreto da vitória esteja nessa última parte do texto bíblico: corramos com paciência. Cada um no seu ritmo, sem se comparar com o outro. Afinal, não sabemos se eles estão treinando há mais tempo do que nós ou se já passaram por outras provas. Não podemos julgar histórias que não escrevemos.

Corramos com paciência. Cada um no seu ritmo, sem se comparar com o outro. Click To Tweet

Meu desejo sincero é que sejamos mais pacientes com nosso próprio progresso, confiando que Deus tem um tempo certo para tratar nossas imperfeições e aprimorar nossas virtudes.

A corrida pode estar no fim, no meio ou no início. O que importa é que estejamos correndo quando Cristo voltar.


Escrito por Ana Carolina Caires Lopes