Quanto custa comprar? (Precisamos falar sobre o documentário The True Cost)

Há algumas semanas eu assisti ao documentário True Cost, disponível no Netflix, e hoje quero falar com vocês sobre ele. Há um bom tempo fui desafiada a brecar minhas compras. Brecar o consumismo desenfreado no qual eu me encontrava. Passei a observar mais as etiquetas, seus valores, observar ainda mais a falsa alegação de preços baixos, e também a questionar “Por que estou comprando? Quanto vale comprar? O que me motiva a comprar?”. Antes do documentário, a consciência de um consumismo desenfreado aconteceu com um suéter na mão e uma etiqueta de R$ 20,00 nele. Era promoção e eu precisava aproveitar, eu pensava assim até que certas perguntas tomaram minha atenção, exigindo respostas.

Eu estudei Moda e sabia que aquele preço não pagava o material, nem a produção e muito menos a logística do suéter até chegar àquela loja. Mais do que o preço, mais do que o imposto, a verdade que me brecou foi me posicionar contra um sistema que na verdade me consome muito mais do que só o dinheiro. Me consome energia, consciência ambiental, ética, coragem, auto estima, controle e vontade. Esse sistema consome não apenas o papel com valor que a gente tanto trabalha para ter, mas consegue a garantia da minha volta, garantem a mim e a você que em breve outra promoção estará lá, garantem que em breve o suéter sairá da temporada e precisaremos voltar para comprar a saia do verão. Eles conseguem. Se você não estiver posicionada, nós sabemos, eles conseguem.

Esse é um artigo que levantará pontos contra o consumismo, e apresentará assim como o documentário The True Cost, a verdade por trás das roupas nas araras de algumas grandes lojas. É um artigo que anseia conscientizar a necessidade da missão da Igreja também no campo social onde exploração e escravidão acontecem. Além de lembrar que a nossa vida vai muito além do consumo e da acumulação de produtos, precisamos lembrar também que ela vai além da busca por um estilo e autoestima, e tem um valor precioso, muito mais alto do que roupas, muito mais alto que dinheiro. Eu e você precisamos lembrar da responsabilidade humana e cristã que temos diante desse problema.

Primeiramente, gostaria de apresentar a vocês o documentário The True Cost, que como dissemos está disponível no Netflix. Andrew Morgan, o diretor do filme, mostra o lado nada glamouroso da moda. Apresenta a produção desenfreada de milhares de peças que são produzidas em condições sub-humanas em países em desenvolvimento que são sinonimamente ligadas a posição de escravidão. As imagens e pesquisas do filme mostram tanto o meio ambiente quanto pessoas sendo usadas para alimentar e alavancar o mercado da moda e do mercado têxtil no mundo inteiro.

A oferta – o “fast fashion”

O mercado, em busca de lucros, tornou a indústria da moda um dos meios mais rápidos de produção e venda. O chamado “fast fashion” – criação do grande mercado midiático da moda – trouxe a nós a facilidade de ter as roupas da temporada ou das tendências em tempo recorde e em preços ainda melhores dentro de nossos guarda-roupas. Antes, as coleções se baseavam em verão e inverno, depois para verão, primavera, outono e inverno. Hoje, segundo o documentário, mais de 52 coleções são lançadas por ano por meio das grandes lojas, a produção é tão rápida que semanalmente haverá peças novas nas araras, fazendo o consumidor entrar, conferir e certamente comprar. Assim, o sistema entrega aos consumidores a oportunidade de serem livres para compra, com inúmeras facilidades. Desse modo o universo do “fast fashion”, através de estudos sociais, comprova e insiste na ideia de que consumir traz a sensação de poder em mãos, nos dá o prazer de ter, mesmo que após o pagamento da peça você não se sinta tão confortável nela, ou que em menos de 1 mês ela já esteja ultrapassada ou gasta, fazendo com que você precise comprar outra. Vender é o que eles querem, com a certeza de que o consumidor quer comprar, afinal, comprar resultará em uma felicidade rápida, suficiente para camuflar os problemas do cotidiano, e por vezes, problemas profundos também. Eles sabem disso, a mídia fornece aos consumidores essa necessidade. São comerciais, “influencers” e mensagens nas propagandas que nos levam a crer que ter é a solução para ser. Ser feliz, ser satisfeito, ser bonito, ser elegante. A imagem que você quiser, dentro do seu guarda, disponível a você nas lojas mais próximas com preço baixo, acessível.

As coisas importantes como uma graduação, uma moradia, um carro ou saúde são muito caras. Há necessidade de alto investimento e burocracia para esse tipo de compra, enquanto manter-se fiel ao mercado da moda é mais fácil, prazeroso e rápido. E qual seria o problema então? A economia está em movimento, temos a oportunidade facilitada de um guarda roupa fashion. Não parece tão óbvio, não é?

O problema – a escravidão

A implicação de um mercado em movimento crescente é trabalhadores que se esforçam em condições terríveis, por horas infindas de trabalho, expostos a problemas respiratórios, a condições de alimentação desfavoráveis, a pressões psicológicas, sem qualidade de vida social e tudo isso por um salário menor do que U$2 por dia. Esse é o quadro por trás de um suéter de R$20,00, que eu cria precisar naquela ocasião do começo do artigo. Esse é o quadro da produção têxtil em partes do mundo. Isso quer dizer que a mercadoria que consumimos teve sua produção terceirizada para economias de baixo custo, países de terceiro mundo, que são os alvos explorados dessas indústrias.

O quadro é mais terrível do que estou descrevendo aqui, as condições psicológicas em que os trabalhadores são colocados e forçados a permanecer pela necessidade de um sustento, é uma imagem de terror que deve nos fazer recuar com urgência. Famílias estão envolvidas nesse campo de trabalho, crianças sofrem com a perda de seus entes.

E o problema não fica apenas em âmbito social. O meio ambiente também é afetado em níveis de degradação absurdamente alarmantes, a produção desenfreada traz aos campos e vegetação produtos químicos de alto poder tóxico. Isso é aplicado no solo, fazendo com que rios e mares sejam alcançados e fontes de água sejam contaminadas. O desenvolvimento de doenças e patologias é crescente. O resultado é uma sociedade necessitada de justiça, onde o caos está instaurado.

O documentário mostra o relato de um desabamento de um prédio em Dhaka, o Rana Plaza, que era um prédio de confecção onde as condições de trabalho eram miseráveis. O desastre ocorrido no ano de 2013 poderia ter sido evitado, uma vez que houveram registros das rachaduras do prédio antes dele cair. Foram mais de 400 mortos, e cerca de 3 mil pessoas trabalhavam no local. Em Bangladesh há cerca de 4 milhões de trabalhadores do setor têxtil, 85% desse número são mulheres que recebem menos de U$3 por dia, um dos menores salários do mundo.

Para ter mais informações e índices dessas ações, te encorajo a assistir ao documentário e fazer sua análise. São problemas grandes a serem solucionados. Minha petição e alerta começa na menor atitude e simples atitude – a conscientização.

Irmã, não compactue com esse tipo de exploração, não permita que sua compra promova uma crescente econômica desse sistema, não permita que seu esforço diário promova sofrimento a um povo. Sigamos a instrução e orientação de Cristo a respeito de um trabalho digno e dignidade humana, sigamos ao Senhor e à sua orientação quanto à nossa responsabilidade cristã que atua na sociedade.

As leis voltadas ao trabalho no Antigo Testamento nos ajudam a perceber a necessidade de mudança dessa realidade.

Não se aproveitem do pobre e necessitado, seja ele um irmão israelita ou um estrangeiro que viva numa das suas cidades. Paguem-lhe o seu salário diariamente, antes do pôr-do-sol, pois ele é necessitado e depende disso. Se não, ele poderá clamar ao SENHOR contra você, e você será culpado de pecado. Os pais não serão mortos em lugar dos filhos, nem os filhos em lugar dos pais; cada um morrerá pelo seu próprio pecado. Não neguem justiça ao estrangeiro e ao órfão, nem tomem como penhor o manto de uma viúva. Lembrem-se de que vocês foram escravos no Egito e de que o SENHOR, o seu Deus, os libertou; por isso lhes ordeno que façam tudo isso. (Dt 24.14-18)

Na lei judaica, a ética trabalhista era exigida do patrão e deveria haver reconhecimento do esforço do trabalhador. Compaixão e justiça eram características de quem comanda, esforço e honestidade características de quem trabalha. Reconhecimento de Deus, do Senhor sobre tudo e todos.

O Novo Testamento nos traz os ensinamentos de Jesus sobre esse assunto. Veja o que diz Luiz Sayão:

Na época de Cristo, calcula-se que 60% dos habitantes do Império Romano eram escravos! Os ensinos de Jesus, com seu conceito de amor, fraternidade e perdão, colocam em cheque a escravidão. Ainda que não o faça de modo político e sistemático, o Novo Testamento estabelece as bases da rejeição da escravidão. O amor cristão é a força subversiva que rejeita a exploração humana. Isso pode ser visto em um livro do Novo Testamento, Filemom, dedicado ao relacionamento entre escravo e senhor no alvorecer do cristianismo igualitário.

A maldade tem uma raiz profunda, já anunciada também pelas Escrituras. Assim como grandes empresários que visam incessantemente o lucro, destruindo qualquer coisa para garantir sua crescente, como consumidores não podemos ter um apreço tão grande pelo ato de compra. Sabemos da necessidade de comer, vestir-se, mas essas ações não devem ser realizadas deliberadamente, sem a consciência dos resultados de uma irresponsabilidade.

O amor ao dinheiro é a raiz de todos os males. (1 Timóteo 6.10)

E o ponto que ressalto, particularmente, como ponto de maior responsabilidade nossa é o fato de que o ser humano foi feito “à imagem e semelhança de Deus”. Existe uma intensa e profunda relação de identidade nisso, o ser humano tem valor, a vida não é um mero acontecimento do acaso. Há inspiração divina na vida do ser humano. Um pecado cometido contra o homem é também um pecado contra Deus que o criou (Gênesis 9:6), as ações de maldade não podem ser encaradas como rotina pelo povo de Deus, a intencionalidade de ações más chegam ao conhecimento do Senhor.

Começo da solução – a parte prática

Como posso, então, evitar comprar roupas e outros produtos produzidos por mercado escravo?

Em primeiro lugar, pesquise o histórico da marca ou loja onde está comprando. Essa é uma das saídas para não adquirir peças de um sistema assim. Existem hoje aplicativos que indicam quais as lojas com consciência humanitária e ambiental que atuam no mercado, e também expõem as lojas que já sofreram processos e denúncias por ações não responsáveis. Existem também sites que fazem uma média de quantos produtos do seu estilo de vida são produzidos por escravos. O site mostra quantas pessoas em média trabalham para que você tenha determinado produto, e mostra a gama de produtos que mais usamos em que a produção mais usa de mão de obra escrava ou produtos poluentes.

Dica de aplicativo: Moda Livre

Dica de site: http://slaveryfootprint.org

Outra opção é comprar de quem faz. Hoje no Brasil há diversas marcas autônomas com confecção própria, que costumam ser mais conscientes de suas ações. Conheça a história da marca, se permita entender como é a produção, se preocupe com o quanto a loja/marca é transparente com o consumidor nesse sentido.

Meu posicionamento hoje, particularmente, é o “slow fashion”, por muitos motivos. Comprar apenas quando é necessário, é um deles, comprar com consciência (que envolve o social e ambiental) também. Sou bastante adepta à customização e aos brechós, hoje 90% do meu guarda roupa é composto por peças de brechó, e sou bastante feliz por isso.

Queridas, essas são só dicas, eu realmente não acho que todos devem se desprender de comprar em lojas, pelo contrário, existem diversas lojas com um posicionamento social e sustentável que precisam ser enaltecidas e precisam de pessoas que comprem para continuarem a realizar um trabalho ético na sociedade. Hoje ainda não consegui comprar sapatos em brechós, por exemplo, nunca encontro sapatos usáveis ou no meu número, nesse caso opto por marcas que agem com justiça em seus posicionamentos na produção, sustentabilidade e preço.

Eu posso imaginar o quanto é difícil encarar tantas informações dessa forma, imagino que precisará de pesquisas e reflexão sobre o assunto. Encorajo você a se posicionar após esses momentos. Compartilhe conosco ações de responsabilidade e cidadania, compartilhe modos conscientes de compra que você já considera.

Eu não quero mortes pela moda. Eu não quero mortes pelo meu estilo. Eu não quero mortes para encher meu guarda roupa. Eu não quero a morte da beleza do meio ambiente (criação de Deus) pela minha beleza. Eu não quero mortes pelo meu dinheiro. Mesmo que a morte não seja uma garantia da minha compra, pensar no sofrimento do outro já é motivo o suficiente para que eu pare e me posicione.

Eu não quero mortes pela moda. Eu não quero mortes pelo meu estilo. Eu não quero mortes para encher meu guarda roupa. Eu não quero a morte da beleza do meio ambiente pela minha beleza. Eu não quero mortes pelo meu dinheiro. Click To Tweet

Considere pensar sobre essas implicações, considere posicionar-se como uma mulher cristã que se preocupa com sua atuação. Ore ao Senhor, sei que o discurso pode parecer legalista demais, ou exigente demais, mas a consciência e conhecimento dessas realidades nos deve fazer ao menos refletir, diante do Senhor, clamando por consciência e sabedoria. Oro com vocês por isso, sabendo que primeiramente eu preciso me lembrar disso todos os dias.

Juntas florescendo e transformando, mesmo que em pequenas ações, a realidade do mundo, por um único e maior motivo que nos une e nos move – que glórias sejam dadas ao Criador de nossas vidas.