Minha humanidade é meu fardo (Sobre perfeição)

O que eu tenho em mim pra dar? Às vezes eu penso que meus papéis nessa vida serão muitos – de filha, amiga, dona-de-casa, esposa, mãe, escritora, pedagoga, líder, sócia, criadora de conteúdo… Quantas coisas são requeridas de mim. E ainda assim, não me sinto capacitada a nenhuma delas.

Nós somos colocados diante de uma linha muito tênue entre a perfeição da santidade e nossa humanidade. Nós somos humanos. E chamados a sermos santificados para, a cada dia, parecer mais com Jesus. Não é fácil fazer a distinção entre esses dois… Eu quero abraçar minha humanidade e reconhecer que sou muito imperfeita e cheia de falhas. Eu preciso disso, na verdade! Oh, o quanto eu preciso me relembrar da minha falta de capacidade… Eu não posso produzir nada de útil. E se eu reconheço isso, ao mesmo tempo em que meu orgulho é aniquilado, o medo e a procrastinação crescem – se não sou capaz de criar nada, por que tentar? Por que não simplesmente aceitar a verdade de que eu não posso e deixar tudo pra lá? Essa criação que é de mim exigida não pode ser por mim produzida, então qual a saída?

Se eu sou humana, e de fato o sou, então sou extremamente limitada. Minha imperfeição, em contrapartida, não tem limites. Minhas bordas, meus limites, minhas fronteiras são todos tão pequenos e próximos do meu centro, que uma expansão só seria possível caso algo externo a conduzisse. Meu centro é tão sujo, tão escuro. E tudo o que flui dele é assim também… podre, atingido e manchado pela minha humanidade. Portanto do meu centro saem as minhas raízes que criam, após si, ramificações de doenças e terríveis sentimentos. Essas ramificações crescem e se expandem, como em qualquer humano, criando o que sou. Toda ruim e danificada. Tão pequena em si mesma.

E se somos todos assim, é de se esperar que esse mundo seja tão quebrado. Essas pessoas que eu vejo a cada dia, cada rosto e novo ser, todos com centros danificados que ramificam-se em terríveis sentimentos. Tudo foi atingido pela sujeira em nós. Nossa lama se espalhou pelas cidades, pelos países, pelos oceanos. Tudo atingido. E quando nos aproximamos uns dos outros vemos nossas ramificações e galhos que se entrelaçam criando um caos orquestrado. E batendo um no outro, se machucando, ferindo e marcando, se dá nosso encontro com o outro. Dentro de nós, podridão. Fora de nós, escuridão. Eu e o outro – quebrados. Qual a saída?

Se corro para mim mesma, numa busca interior de respostas, só encontro mais perguntas. Se olho pra dentro meu medo me assola porque eu sei quem realmente sou e a capacidade das maldades. Se olho para fora vejo o outro, ainda que só superficialmente, mas sabendo que dentro de si ele carrega os mesmos cães que eu. Cães ferozes, apenas esperando para serem exteriorizados.

E nessa busca sem respostas, dentro e fora de mim, eu percebo que essa vida é mais perguntas do que soluções. Que nem dentro nem fora de mim eu encontro o que busco, o que anseio. Que meu coração pulsa sujeira, assim como o do outro – tanto aquele que aqui vive há décadas quanto aquele que acabou de chegar. Pulsamos sujeira, eles e eu.

Mas existem traços de luz. Eu sinto o Sol em minha pele e sei que há algo maior do que a pulsante sujeira humana. Eu vejo a perfeição do sistema que é a natureza e sei que há uma Vida que inspirou a vida. Eu vejo a semente que, sem a necessidade da intervenção humana, cai e morre, criando nova vida, e percebo que a morte ser capaz de gerar vida é algo que vai além de nós. Nem no interno nem no externo estão as respostas. Eu começo a encontrá-las, de fato, quando desisto de procurá-la em mim ou nos outros. Quando eu começo a buscar no que é além, eterno, invisível, é que enxergo a Luz. Fora da minha sujeira e da sujeira do outro existe uma limpeza, uma pureza sem limitações. Uma pureza que gerou todo o resto que, por nossa humanidade, se corrompeu. Se aperto meus olhos tentando encontrá-la verei que está mais próxima do que eu sinto. Fora de mim. Fora do outro. Fora de sentimentos ou visões.

Eu começo a encontrar as respostas quando desisto de procurá-las em mim ou nos outros e começo a procurar em Deus. Click To Tweet

Nossas respostas estão todas em um livro antigo, histórico. Um livro que relata que da Pureza veio todo o resto. Que da Vida veio todos nós. E que, fora da Pureza e Vida, só existe sujeira e morte. Mas, que a Pureza-e-Vida sempre soube disso. E mesmo assim quis criar a humanidade suja e morta. E não só a criou para deixá-la solta a seu caos e presa às suas correntes. Criou-a, antes, para trazê-la de volta a Si. Planejou perfeitamente como faria isso e mostrou de si durante toda a história. Brilhou feixes de luz na escuridão palpável do homem. Até que, no tempo perfeito, a Luz da Aurora brilhou tão forte que homens ficaram cegos e caíram ajoelhados diante de tamanho clarão.

E quando essa Luz se revela a nós, temos a mesma reação. Caímos inconscientes. Caímos e nos vemos, ainda que caídos, pela primeira vez verdadeiramente livres. Verdadeiramente vivos.

Toda nossa sujeira trocada pela Pureza dEle. Toda nossa morte trocada pela Vida dEle.

E agora esses canos enferrujados receberam em si a Água da Vida. Agora eles são chamados perfeitos. Toda a sua sujeira limpa pelas águas vivas que escoam por eles. Por entre suas brechas, seus buracos, suas feridas. Fazendo tudo novo. Tudo transformado. E ainda que eles ainda sejam canos enferrujados, agora a Água Viva os redime, a cada dia, fazendo tudo novo. Dando a eles a capacidade de serem mais do que são. Dando a mim a capacidade de tentar, ainda que seja tão incapaz.

Minha humanidade não é mais meu fardo. É a casca que guarda meu grande tesouro. Cristo em mim, esperança da glória.