Graça Conversa: Anne*, missionária no Oriente Médio

Uma de minhas grandes amigas aqui dos EUA embarcará amanhã de volta ao Oriente Médio onde ela é missionária. Enquanto eu a ajudava a se preparar para um casamento, semana passada, nós conversamos um pouco sobre a vida missionária – suas dificuldades e alegrias, e sobre como ela descobriu que deveria ir ao Oriente Médio. Eu gravei essa conversa e trago hoje para vocês no nosso primeiro Graça Conversa.

Deus chama todos os seus filhos para serem missionários, seja em seus países natais, seja em países estrangeiros. Nós precisamos parar de olhar para missionários como se eles fossem as “celebridades” do Cristianismo, ou como se fossem mais espirituais que nós. Anne* me relembrou da realidade que missionários no exterior são cristãos comuns que estão apenas cumprindo o chamado de ir, em outro país, e que nós devemos também cumprir o chamado de ir, mesmo que nosso ir signifique atravessar a rua e pregar ao nosso vizinho.

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G: Anne, conte pra nós como você soube que deveria ir pro exterior ao invés de simplesmente pregar o Evangelho onde você já estava?

A: Boa pergunta. Bom, eu achei Jesus, ou melhor, Ele me achou, quando eu estava na Austrália [fazendo intercâmbio], então minha história de certa forma começou internacionalmente. Depois disso eu estava em uma vila na Índia [onde ela fez outro intercâmbio acadêmico], no meio do nada, e nós estávamos ouvindo os líderes da vila nos contarem sobre como eles vivem em pobreza extrema (…). Eles receberam um empréstimo de um programa de desenvolvimento, e estavam me contando sobre como a mortalidade infantil diminuiu e como a esperança deles [de um futuro melhor] foi restaurada, e enquanto eu os escutava um pensamento ficou em minha cabeça, “E se nós tivéssemos trazido Jesus? E se eles conhecessem a verdadeira esperança que existe nEle?”. Foi ali que Deus colocou pela primeira vez em meu coração esse pensamento, “Há pessoas no mundo que nunca ouviram de Mim. Vá e conte a eles sobre Mim.” Isso foi 6 meses depois da minha conversão.

G: Então foi bem no começo de sua vida cristã, quando seu primeiro amor, a paixão por Cristo ainda estava bem forte em seu coração.

A: Sim!

G: E quando foi que você decidiu que deveria ir [levar Cristo] para esse país específico para o qual você está indo?

A: Isso veio muito depois. [Depois de ir à Índia] eu voltei para os EUA, e terminei a faculdade [de Matemática].

G: Deixa eu te interromper – o que você achou, na época, que ia fazer com uma faculdade de Matemática?

A: Eu ia me mudar para a África e trabalhar com Microfinanças.

G: Então mesmo antes de perceber que você deveria ir como missionária ao exterior, você já tinha um desejo de ir ao exterior, mas para fazer um trabalho humanitário?

A: Sim. Mas, tudo isso aconteceu depois que eu me tornei uma cristã.

G: Entendi. E antes de ser cristã, o que você pensava em fazer, quer dizer, o que signficava um futuro “de sucesso” pra você?

A: Eu não tinha ideia. Eu pensei “eu vou ter um diploma em Matemática, e eu vou fazer alguma coisa com ele”.

G: Ok. Bom, então voltemos – como você decidiu ir a esse país específico para o qual você está indo?

A: Ok. Então, eu estava envolvida com um ministério de estudantes universitários na época, e eles promoviam uma conferência missionária a cada três anos, e eu tive a oportunidade de participar de uma delas. Eu já sabia que o Senhor estava me chamando ao exterior [por causa daquela experiência na Índia], mas eu ainda não sabia exatamente como isso seria. E então lá eu senti que o Senhor começou a me chamar para ir a algum lugar por pelo menos um ano.

G: Como funcionou esse “eu senti que o Senhor estava me chamando”?

A: Eles tinham [na conferência] um papel onde você colocava seu “compromisso” – eu me comprometo a ir por um ano, por tantos anos, para sempre, etc. Era um desafio que lançavam. Então eu comecei a orar e perguntar ao Senhor o que Ele queria que eu fizesse. E eu não sei explicar… Não foram palavras “audíveis”, mas só esse sentimento que dizia “um ano”. Como se Ele estivesse dizendo “Vá e veja como é; vá viver com esse povo, e simplesmente esteja com eles”.

Depois disso eu entrei em contato com uma organização missionária, e comecei um treinamento aqui nos EUA. Depois que fui aceita, comecei a procurar por algum time, da organização, que fizesse um trabalho com Microfinanças [que era minha área de estudo], e que focasse em Educação, porque eu recentemente havia descoberto que amo ensinar. E existia um time que fazia esse tipo de trabalho, e era nesse país para onde fui.

G: Então acabou que você tinha certas características que você estava procurando em um time, e “coincidentemente” o time nesse país tinha todas essas características?

A: Sim. E então eu fui por um ano.

G: E quando você se preparou para ir, existia um sentimento de “Eu sou uma missionária”?

A: Acho que antes de ir, sim. Eu pensei “Que legal, eu sou uma missionária, e vou falar ao mundo sobre Jesus!”. E aí eu cheguei lá… [risos] E foi tipo, “Ah… Então isso é só um tipo de vida diferente, em uma cultura e país diferentes… Mas, o resto é o mesmo.” Eu ia ao mercado aqui, e ia ao mercado lá. Eu passeava com meus amigos aqui, e passeava com meus amigos lá. Eu vivia minha fé aqui, e vivia minha fé lá. No começo foi divertido – tudo era novo… A comida, a cultura, os lugares. Mas, depois de algumas semanas eu comecei a sentir saudades de casa. Sinceramente, eu estava cansada de pão pita [ou pão sírio]. Eu só queria o pão da minha casa [risos]. Eu queria ouvir minha língua e entender o que as pessoas estavam falando. 

G: E isso fez você se arrepender de ter ido?

A: Um pouco. Tinha momentos em que eu definitivamente pensava “O que eu estou fazendo aqui?”. Era desconfortável e difícil, e eu meio que só queria ir pra casa.

G: E quando foi que isso mudou e você percebeu que queria, de fato, estar ali?

A: Foi em uma noite em que tivemos um jantar com todos os professores do lugar onde eu ensinava, e basicamente todas as mulheres locais que eu conhecia estavam ali. Eu estava sentada na mesa com elas, olhando ao redor, e fui surpreendida ao perceber quanto amor eu sentia por elas. Foi como se o Senhor estivesse dizendo, “Está vendo o amor que você sente por esse povo, que é grande? Eu sinto um amor ainda mil vezes maior, tão grande que você nem conseguiria imaginar.” Foi ali que eu percebi porque Ele tinha me colocado naquele país – para falar dEle a essas pessoas que não O conheciam. Era como se Ele dissesse, “Eles não têm como me conhecer a não ser que você fale de Mim para eles”.

Foi ali que eu pensei “Uau, como eu amo essas mulheres! Eu quero tanto que elas conheçam a esperança que eu tenho em Cristo, eu quero compartilhar isso com elas.”

G: Mas você teve que voltar pra casa [nos EUA] depois daquele um ano. Como foi isso?

A: Sim. Foi a coisa mais difícil que já fiz na minha vida. Naquele momento eu já amava essas mulheres demais e sair de lá foi muito difícil. Eu voltei pra casa e passei um tempo sofrendo pela minha perda. E minha cidade natal já não parecia meu “lar”.

G: É interessante ver como Deus te levou de um sentimento de não querer estar lá, no começo, para um sentimento de querer estar lá para sempre. Foi ali que Ele te mostrou que estava criando em você um coração que amava aquele povo e país, e foi ali que Ele te confirmou seu chamado àquele lugar?

A: Com certeza! Eu senti que ali era meu lugar, e que aquele era meu povo e minha nova família. Então no próximo verão eu voltei para uma curta viagem missionária e orei muito para que o Senhor confirmasse de vez o que eu precisava fazer. E naquela viagem duas pessoas locais, daquele país, olharam nos meus olhos e disseram “Aqui é seu lugar, esse é seu lar e nós somos sua família”.

Foi ali que eu soube. Então eu disse, “Ok, aqui vamos nós” e comecei minha preparação para tentar ir de forma integral, para ficar lá.

Mas é muito difícil porque quando estou lá sinto falta daqueles que amo aqui, e quando estou aqui sinto falta dos de lá. Mas, o Senhor tem sido fiel em me lembrar que meu Lar não é nessa Terra, e sim nos Céus.

G: Me conta como é pregar o Evangelho nesse país.

A: Bom, não é um lugar onde eu possa me colocar numa praça e gritar “Amem a Jesus!”, sabe? Então na verdade é mais uma questão individual ou de grupos pequenos. A maior parte da “pregação” se dá em criar relacionamentos e construir uma confiança para ter conversas espirituais. Eu tento fazer com que eles entendam que eu estou ali, pronta para orar por eles e falar sobre minha fé em Jesus, quando eles quiserem ouvir. Eu sou muito honesta ao falar aos meus amigos que eu oro em nome de Jesus [que sou uma cristã].

G: Seria perigoso para você se as pessoas soubessem que você está pregando Jesus lá? Isso seria um risco à sua vida?

A: Seria perigoso se alguém pensasse que eu estou tentando converter pessoas à minha religião. Mas eu posso falar sobre minha fé pessoal, aquilo que eu acredito. Mas, minha preocupação nunca é por mim mesma, mas por eles, porque seria muito pior pra eles do que pra mim.

G: O pior que pode acontecer com você seria a deportação?

A: Eu poderia ser deportada, sim, mas eu poderia morrer também, em um caso extremo. Agora quanto a eles, eles poderiam morrer ou ser completamente excluídos de suas famílias – isso seria o mais comum – e na cultura deles isso seria como morrer.

G: E isso te dá medo?

A: [Pensa por um tempo] Olha, há momentos em que eu tenho medo porque eu quero muito que minhas amigas conheçam e amem Jesus, mas tenho medo do que isso significaria pra elas. Mas, eu tenho amigas lá que vêm de uma família muçulmana que conhecem Cristo agora, e a fé e esperança delas é algo tão lindo! Porque a realidade é que elas não escolheram seguir a Jesus porque seria benéfico pra elas, política, emocional ou socialmente falando. Pelo contrário, seguir Jesus naquela cultura é escolher uma vida de dificuldades. Então é lindo ver que elas escolheram acreditar que Jesus é digno disso.

Então eu tenho que pensar, “Eu realmente acredito que Deus é bom e soberano, e que o plano dEle será cumprido no final?”. E a verdade é que eu acredito que Deus já venceu a guerra. Então eu tenho que confiar esse povo a Ele.

G: Quais diferenças você pensa existir entre ser um missionário em um país estrangeiro e ser um missionário em sua cidade e país natais?

A: Eu não acho que existam diferenças, em termos de vida cristã, e até mesmo em termos de vida prática. Meu dia-a-dia lá é muito similar com o meu dia-a-dia nos EUA – eu vou ao mercado, vou à casa de amigos, vou trabalhar. [E claro que isso difere dependendo de onde o missionário está] mas para mim é bastante similar, com exceção da cultura e línguas. Minha realidade é muito parecida, e em ambos os lugares eu quero que meus amigos que não conhecem Jesus conheçam Jesus.

G: Você acha que acaba sendo mais corajosa para compartilhar sua fé lá do que aqui? É mais confortável falar sobre Jesus em outro país, sob a “capa” missionária?

A: Infelizmente sim. Quando eu estou lá eu sou mais intencional. Eu acho que o que o diabo faz muito é nos fazer desejar o conforto quando estamos em nossos países natais, e quando vamos pro exterior nossos olhos veem melhor a urgência do Evangelho. [Mas, a verdade é que a necessidade é a mesma em ambos os lugares.] Em países como EUA [e Brasil] a vida é mais confortável e o Cristianismo não é perseguido, então nós não vemos a necessidade urgente da pregação.

G: Eu tenho um amigo, Yago Martins, que lançou um livro no Brasil chamado “Você não precisa de um chamado missionário“, falando que a Grande Comissão e o “ide” são para todo cristão, e não só para alguns. Você acha que um cristão chamado ao exterior é diferente daquele chamado a ficar em seu país?

A: Se não me engano o original do grego [do texto de Mateus] poderia ser traduzido como “conforme você vai”, ao invés de “ide”. Então é como se Jesus dissesse, “conforme você vai ao mercado, ao trabalho, a escola, PREGUE O EVANGELHO À TODA CRIATURA”. Não é somente “vá às nações”, mas também “vá aonde você está, atravesse a rua”, sabe?

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G: Com certeza! Me fala um pouco sobre o que você acha quando as pessoas dizem “Ser missionário no exterior é atingir o máximo da maturidade cristã”, como se ser qualquer outra coisa, ou ter qualquer outra profissão fosse “menos espiritual”?

A: Em primeiro lugar, uma vez que você está no exterior vivendo lá, a vida se torna “normal”, ordinária. Não tem nada de espetacular. Eu sinto que as pessoas colocam missionários em um “pedestal”, e isso é assustador. Porque eu vou falhar, eu vou te desapontar. Eu sou humana! Eu não sou uma “super cristã”. Eu sou apenas uma cristã comum que ama Jesus e Ele me chamou para ser obediente e eu estou tentando fazer isso. E de maneira nenhuma Ele me chamou ao exterior porque eu sou melhor que alguns.

Sinceramente, estar lá foi um dos momentos mais solitários que eu já vivi na vida, ainda que Deus esteja sempre comigo. Ir a um país onde você não conhece a língua, nem a cultura, nem o povo, é difícil! É difícil construir amizades e tudo mais. Minhas vitórias, por vezes, são simplesmente ir ao mercado, pedir 12 ovos e receber 12 ovos, sabe? [risos]. São pequenos momentos ordinários assim. E em outros momentos eu tenho conversas espirituais incríveis com pessoas que não conhecem Jesus! Então é a mesma coisa para o cristão que permanece em seu país.

Eu sou tão incapaz. Eu não sou corajosa. Mas Deus não chama os capacitados, Ele capacita os escolhidos, e a glória dEle brilha mais forte no fato de que eu sou incapaz mas Ele me faz capaz.

G: Então o que você está dizendo é que se Jesus te chama a ser um banqueiro, ou enfermeira, ou comerciante, o certo a fazer é obedecer ao chamado dEle?

A: Com certeza. E sabe, teste seu chamado à luz das Escrituras! E à luz da sua comunidade. Se eu não tivesse o suporte da minha comunidade local eu não iria. Foi assim que o Senhor confirmou a mim: eu li na Palavra que devemos pregar; Ele me deu oportunidades e portas abertas para ir a esse povo específico; Ele me deu amor por esse povo específico; e Ele fez com que minha comunidade apoiasse minha decisão. Então eu fui. Então teste seu chamado à luz dessas coisas também.

 

* Por motivos de segurança eu não posso divulgar o país para onde minha amiga vai, nem seu nome real. Por isso aqui a chamamos simplesmente de Anne. Juntem-se a mim em oração por essa nossa querida amiga e irmã em Cristo!

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O Graça Conversa é um projeto que está em meu coração há algum tempo e que eu estou muito feliz de compartilhar com vocês! Nos próximos posts dessa série eu conversarei com outras amigas e amigos sobre a vida cristã e assuntos gerais. Espero que seja uma benção!