Exercitando o contentamento em um mundo descontente

“Contentamento: independente de circunstâncias externas; contente com a sua sorte ou fortuna, como os recursos que possui, ainda que limitadíssimos[1].”

O descontentamento – ou a falta de contentamento – está presente no coração dos homens desde o Éden. Este fato é fundamental para compreendermos que o contentamento não tem a ver primeiramente com aspectos externos, mas com a condição do nosso coração pecaminoso. Adão e Eva estavam no melhor lugar do mundo, onde tinham tudo quanto precisavam, não havia outros seres humanos com quem pudessem comparar suas vidas. Não havia um homem mais bonito, uma mulher mais formosa, famílias mais perfeitas ou empregos melhores. Eles tinham tudo quanto precisavam bem diante dos seus olhos. No entanto, havia algo que eles não podiam ter: a glória de Deus; e foi justamente isso, essa única coisa que lhes era inalcançável que eles desejaram: “[…] no dia em que dele comerdes se vos abrirão os olhos e, como Deus, sereis conhecedores do bem e do mal”.

Adão e Eva estavam no melhor lugar do mundo, mas nem mesmo o melhor lugar do mundo é o bastante quando falta contentamento.

Vivemos em um mundo descontente. Essa não é uma característica exclusiva desta geração, pois, embora o pecado encontre novas formas de nos seduzir e enganar, sua essência é a mesma. O inimigo de nossas almas continua a nos sugerir, assim como no Éden, que nós realmente não temos tudo o que precisamos. Que há algo maior e melhor “lá fora” e enquanto nós não atingirmos esse ”fruto” desejável, não estaremos vivendo plenamente nossas vidas. Ledo engano. Quantas de nós não têm sido vítimas desses pensamentos mentirosos?!

A incredulidade é a raiz do descontentamento. Assim como Eva, nos tornamos descontentes porque acreditamos que Deus não está nos dando o melhor que poderia nos dar; cremos que Ele está nos privando de algo maior e melhor, exatamente aquilo que nos falta para sermos felizes. Essencialmente, acreditamos que Deus está nos enganando. Veja o quão perigoso é o descontentamento: a ponto de chamar a Deus de mentiroso!

É fato que em nosso coração existe algo, um anseio que supera todas as experiências humanas que experimentaremos nesta vida. Esse anseio se refere a algo maior do que nossos braços frágeis são capazes de abraçar agora: trata-se de um profundo anseio pela eternidade. Como escreveu Pascal: “Há um vazio do tamanho de Deus no coração do homem, que não pode ser preenchido por qualquer coisa criada, mas somente por Deus, o Criador, que se fez conhecido através de Jesus”.

O problema é quando acreditamos que esse vazio pode ser preenchido com outras coisas que não o próprio Deus. Enquanto eu não tiver um belo corpo, namorado, marido, filhos, o carro do ano, uma casa maior, viagens, diplomas eu não serei plenamente feliz. Estamos olhando para baixo, quando, na realidade, deveríamos olhar para o alto! Todas essas coisas são boas, mas fazem parte desse mundo caído e, como tal, não podem satisfazer um anseio eterno. Tão logo as obtemos, passamos a aspirar por algo a mais – aquele sapato maravilhoso só é tão maravilhoso até que se torne seu!

Indo mais a fundo, C.S. Lewis disse que: “os desejos que surgem em nós quando nos apaixonamos pela primeira vez, ou pensamos pela primeira vez em um país estrangeiro, ou nos deparamos pela primeira vez com um assunto que nos deixa animados, são desejos que nenhum casamento, viagem ou aprendizado podem realmente satisfazer. Havia algo que captamos naquele primeiro momento de desejo, mas que se esvai com a realidade. Acho que todos sabem do que estou falando. A esposa pode ser boa, os hotéis e paisagens podem ser excelentes, e a química pode ser um negócio muito interessante, mas algo nos escapou”.

Calma, Lewis não está tentando trazer uma nuvem de pessimismo sobre o nosso coração, ele está apenas nos lembrando que se confiarmos que só estaremos plenamente felizes quando obtivermos aquilo que nos falta, seremos completamente infelizes, pois ainda que conquistemos tudo quanto os nossos olhos desejarem, continuaremos descontentes. O Pregador não nos deixa dúvidas quanto a isso: “Tudo quanto desejaram os meus olhos não lhes neguei, nem privei o coração de alegria alguma […] eis que tudo era vaidade e correr atrás do vento” (Ec 2:10,11). O que precisamos saber é que ainda que tenhamos as melhores coisas e as melhores pessoas ao nosso lado, se nosso anseio não for preenchido por Deus, passaremos a vida como loucos correndo atrás do vento.

O engano do mundo é crer que a plenitude de nossos desejos e afeições pode ser suprida ou alcançada à parte de um relacionamento real e profundo com Deus. Mas, nós cristãos sabemos que Deus é a verdadeira fonte de nossas aspirações. Satanás também sabe disso. Ainda assim, ele não perde a chance de nos fazer ofertas tentadoras. Veja bem, ele sabe que não somos tão ingênuos a ponto de abraçar o pacote: “a sua felicidade se encontra aqui”, mas ele nos oferece ofertas sutis como: “por que eu não posso ter isso?” ou “por que só eu não tenho isso?” e “se eu tivesse isso, as coisas seriam mais fáceis ou melhores pra mim”. Assim como os ímpios, somos diariamente bombardeados por informações que sempre nos sugerem que precisamos de algo. Satanás sabe do nosso anseio pelo eterno e traiçoeiramente tenta nos comprar com falsas propagandas. Como cristãos todos nós lutamos contra o descontentamento. Não pense que vocês está sozinha nessa.

Seja por meio das redes sociais, da televisão, das conversas entre amigos; para onde quer que olhemos o mundo está sempre gritando que precisamos disto ou daquilo para sermos mais felizes. Por isso, viver contente em um mundo que te puxa para o descontentamento é um desafio diário e difícil. Nessas horas precisamos mais uma vez voltar os nossos olhos para as Escrituras e ver o que ela tem a nos ensinar.

Em uma época em que não havia Instagram, um homem cristão também lutou contra o descontentamento e, pela graça de Deus, venceu! No texto de Filipenses 4:11-13 o apóstolo Paulo fala que aprendeu a viver contente em todas as circunstâncias. Merece atenção o fato de Paulo dizer que aprendeu a viver nessa condição de contentamento. Não foi do dia para a noite, minhas irmãs, e certamente não foi fácil. Mas, a caminhada cristã do apóstolo Paulo, cheia de lutas, privações e muitas tribulações serviu aos propósitos de Deus produzindo, entre muitas coisas, contentamento em sua vida. Isso nos leva a refletir no fato de que a caminhada cristã requer paciência. Não é sem muitas lutas que o doce fruto do Espírito é aperfeiçoado em nós. Pode ser clichê, mas aquela frase de que quando pedimos paciência a Deus Ele não nos dá paciência e sim tribulações para que aprendamos a exercer a paciência é muito real. É por meio das tribulações que o Senhor nos molda, é por meio do fogo que o ouro é purificado.

Não espere que o contentamento nasça em seu coração como uma brisa de verão, ele será forjado no fogo da privação. Foi por meio de muitas tribulações que o apóstolo Paulo aprendeu a viver contente.

Não espere que o contentamento nasça em seu coração como uma brisa de verão, ele será forjado no fogo da privação. Foi por meio de muitas tribulações que o apóstolo Paulo aprendeu a viver contente. Click To Tweet

Todo esse processo leva tempo! Por vezes olhamos para alguns irmãos na fé e eles parecem estar num estágio de santidade tão avançado! Pensamos, “Uau, parece que ele já nasceu pronto”. Então, olhamos para nossa condição e parece que estamos lá no início da corrida quando eles já estão na reta final. Parece que nunca chegaremos lá. Isso pode ser terrivelmente frustrante, mas pense comigo: se o apóstolo Paulo, que escreveu a maior parte do Novo Testamento (só pra início de conversa) teve que APRENDER a viver contente; isso significa que todo o cristão passa pelo estreito caminho da santificação. Ninguém nasce pronto, esse é o processo de uma vida inteira.

Adapte-se

Preste atenção nisso: o contentamento de Paulo não floresceu quando ele recebeu o que tinha falta, mas quando ele não recebeu! É na privação, esse solo difícil de arar, onde muitas das bênçãos de Deus florescem. Por isso, deixo aqui um conselho: se você está descontente por aquilo que lhe falta, experimente adaptar-se. Soa estranho, mas é isso mesmo. Ao invés de lamentar-se e lembrar-se disso diariamente, viva! Prossiga, planeje ou replaneje, se for preciso, mas permaneça na vontade de Deus.

Pode ser que Deus não vá te dar aquilo que você almeja. Ainda assim, você terá aprendido a viver contente em meio à privação, isso é um grande ganho. Ou, pode ser que, assim como Paulo, em algum momento Deus conceda aquilo que você almeja; mas não antes de você ter aprendido a viver contente sem isso. Você poderá então se juntar ao apóstolo Paulo e dizer: Alegrei-me sobremaneira no Senhor pela dádiva recebida. Digo isso, não porque recebi aquilo que me faltava, até porque aprendi a viver contente em toda e qualquer situação, sendo honrada ou humilhada, em todas as coisas tenho experiência: tudo posso naquele que me fortalece! (paráfrase de Fp 4:11-13)

Te incentivo a lembrar-se disso: “tudo posso naquele que me fortalece”. Talvez esse tenha sido o coro de Paulo nos dias difíceis. Que seja o nosso também: “tudo posso naquele que me fortalece”.

Exercite a gratidão

Ao lermos as epístolas de Paulo, chama a atenção o fato de que mesmo em cadeias, ele sempre tinha motivos de gratidão. Paulo enxergava tantas razões para render graças a Deus que diante delas, suas aflições se tornavam leves. Paulo constantemente dava graças pela vida dos irmãos na fé. Devemos ser gratos não somente por nós, mas ser capazes de nos alegrar e dar graças por aquilo que Deus tem feito na vida de nossos irmãos. Quando lutamos conta o descontentamento, corremos o risco de nos tornarmos ingratos por nós e ingratos também por aquilo que Deus tem feito na vida do nosso próximo. Isso é muito nocivo. Devemos prevenir esse mal exercendo gratidão em duas frentes: por nós e pelo nosso próximo.

Leia a Bíblia e faça oração

Esse simples corinho infantil é profundamente verdadeiro. Cultive uma vida de leitura e oração diária. Isso é FUNDAMENTAL para uma vida de contentamento em Deus. O descontentamento cria raízes no coração onde a Palavra de Deus não está sendo semeada e nutrida. Por experiência própria, sei que quanto menos leio a Bíblia mais descontente me sinto com a vida que tenho. A Palavra de Deus é um porto seguro onde encontramos refúgio em meio aos nossos temores.

Desconecte-se

Tenha cuidado com o tempo gasto acessando as redes sociais, elas são uma ferramenta muito útil em nossos dias e nós não as demonizamos, no entanto, como tudo nessa vida, precisamos reconhecer os perigos que nos rondam quando as utilizamos em excesso. Por vezes elas são como vitrines nos mostrando aquilo que não temos e que “precisamos” ou nos fazendo pensar que “a grama do vizinho é sempre mais verde”. O contentamento requer que nos policiemos quanto aos nossos pensamentos e sentimentos, por isso desconecte-se um pouco.

Falamos tanto sobre o descontentamento, mas talvez você esteja se perguntando: Por que o descontentamento é tão grave? À primeira vista, ele parece ser algo inofensivo e banal, mas ele é pecaminoso.

Primeiramente, o descontentamento desonra a Deus. Deus não somente nos tem concedido bênçãos diárias, como nos concedeu a bênção eterna da salvação. Em Cristo Jesus Deus supriu a nossa maior carência: um relacionamento real com Ele. O descontentamento desonra a Deus porque não reconhece os grandes feitos dEle por nós.

O descontentamento põe em dúvida o caráter de Deus (incredulidade). O Salmo 84:11 diz que “O Senhor é sol e escudo; o Senhor dá graça e glória; nenhum bem sonega aos que andam retamente”. Sonegar significa ocultar algo, dizer que não tem algo que de fato tem (mentir); não pagar ou contribuir com alguma quantia devida; não partilhar informação com outros[2]. Não foi exatamente disso que a serpente acusou a Deus no Éden? (Gn 3:5)

O descontentamento revela nossa ingratidão. Quando estamos descontentes passamos mais tempo pedindo do que agradecendo, como as filhas da sanguessuga nós só sabemos dizer: “dá, dá” (Pv 30:15), ao invés de nos curvarmos a Deus em gratidão.

Por fim, o descontentamento produz inveja. Uma vez que você não tem aquilo que deseja, você passa a invejar aqueles que têm. A inveja é um pecado que preferimos não mencionar. É muito fácil você ouvir alguém dizer, “sou orgulhoso”, mas, dificilmente ouvirá alguém dizer,“sou invejoso”. Não quero me aprofundar nesse pecado, basta lembrarmos que Caim matou Abel por inveja. Sabemos o quão destrutiva é a inveja se não for combatida pelo poder de Deus.

Portanto, não se engane, o descontentamento está bem longe de ser algo inofensivo. Dito isso, quero deixar aqui alguns lembretes para o coração descontente:

– Lembre-se em que você tem crido e tenha certeza de que Deus te ama tanto que reservou o maior e melhor tesouro em um lugar em que nem a traça nem a ferrugem podem corroer. Esse tesouro não se desgasta com tempo, ele é eterno (2 Tm 1:12; Mt 6:20).

– Lembre-se que não há nenhum bem que Deus já não tenha concedido a você em Cristo Jesus (Ef 1:3).

– Lembre-se que Deus é um bom Pai, Ele não concede cobras nem escorpiões a seus filhos necessitados, mas o melhor segundo a Sua vontade que é boa, perfeita e agradável. (Lc 11:11-13; Rm 12:2)

– Lembre-se que só existe um lugar onde o nosso coração encontra descanso e contentamento pleno: em Cristo. Quando o descontentamento te assolar, corra para Cristo e encontrarás descanso para a alma (Mt 11:28-29; Sl 131:2, 147:3).

Que o Senhor nos ajude a exercitar o contentamento nesse mundo descontente e refletir sua glória em todas as circunstâncias.

“Fizeste-nos para Ti e inquieto está o nosso coração, enquanto não repousa em Ti.” (Agostinho)

Em Cristo Jesus,
Prisca Lessa

[1] (Fonte: Dicionário Bíblico Strong Léxico Hebraico, Aramaico e Grego de Strong)
[2] Fonte: Dicionário Informal