A cacofonia de teologia (ou Voltemos a ser leitores de verdade)

Há alguns meses eu estava confortavelmente posicionada em meu sofá de uma maneira que se tornou muito comum para mim – as pernas para cima, um livro descansando sobre elas, o celular na mão. Meu marido perguntou, na ocasião, “você não deveria estar lendo?”. “Eu estou!”, respondi, “lendo as legendas das fotos no Instagram”. Claro que na hora achamos engraçado, mas infelizmente eu percebo hoje o quanto minha piada é real.

Por favor não desista deste artigo logo no começo pensando “outro texto contra a internet”. Não é isso que quero propor. Mas há, sim, algo que quero propor, e gostaria que vocês me ouvissem e considerassem o que tenho a dizer.

Como muitos de vocês sabem estou morando nos EUA há quase dois anos. Desde então, e até antes disso, sigo muitas páginas de ministérios e pessoas que ministram pela internet que são daqui. É comum notar que as tendências, por assim dizer, dos estadunidenses chegam ao Brasil com algum atraso, nos permitindo “prever” o que acontecerá no Brasil olhando para os EUA.

E há algo que tenho “previsto”.

Previsão para o Brasil

O que vejo aqui nos EUA no momento, são muitas (muitas!) páginas nas redes sociais, especialmente para mulheres, onde as legendas são longas e a mensagem superficial. Nessas legendas as mulheres são encorajadas a meditar sobre algo, mas de forma rasa, sem muito aprofundamento (afinal de contas, há um limite de caracteres). A discussão pode até ir para os comentários, mas geralmente fica só na legenda mesmo, sendo corroborada apenas pelas “curtidas” e “compartilhamentos”.

Em um primeiro olhar tal prática parece positiva – conforme eu passo pelo “feed” do meu Instagram não vejo somente fotos pessoais, mas vejo esses ministérios com suas mensagens cristãs. Podemos pensar até que é uma contrapartida ótima às muitas páginas com conteúdos não-cristãos.

Mas eu creio que, apesar de bem-intencionada, com o tempo essa prática acaba criando uma cultura perigosa de páginas que estão “empanturrando” seus seguidores, ou seja, alimentando-os em demasiado com várias e várias porções de “bons pensamentos” o tempo todo, mas que ao final do dia ainda nos deixa com fome, insaciados.

O que eu noto é um constante bombardeio de mensagens me dizendo várias coisas que são verdade, sim, mas sem aprofundar nada. É como aquelas ruas do centro de Tóquio, onde há tantas cores, sons e cheiros que as pessoas se sentem sobrecarregadas de informações. É como uma cacofonia de teologia nos gritando tantos caminhos que ao final acabamos mais perdidos do que antes.

No Brasil, apesar de ainda não termos a mesma proporção desse fato em comparação com os EUA, nós já vemos a tendência chegando (até mesmo, confesso, pelo Graça em Flor. Esse artigo é, antes de tudo, uma auto-análise crítica). E aqui não quero condenar ninguém por tentar fazer esse tipo de proposta, creio que as intenções são boas.

Mas minha preocupação é que não só estamos criando um tipo de conteúdo superficial, mas também um tipo de leitor superficial.

Não só estamos criando um tipo de conteúdo superficial, mas também um tipo de leitor superficial. Click To Tweet

Leitor de legendas

A história sobre minha piada no começo desse texto é real para muitas de nós. Nos acostumamos a ler várias postagens curtas sobre verdades bíblicas e nos sentimos satisfeitas com elas. É como se ao invés de nos alimentarmos três vezes ao dias com refeições completas e saudáveis nós apenas nos permitíssemos uma barra de chocolate a cada hora. Continuaremos vivas, mas sem saúde, sem força, sem sustância e, pior ainda, sem resistência.

Ao invés de nos alimentarmos espiritualmente principalmente da Palavra de Deus e de pensamentos bem processados que levaram muito tempo para as pessoas criarem, como no caso dos livros, nós temos escolhido pensamentos curtíssimos em legendas que provavelmente foram criados apenas alguns segundos antes do botão da postagem ser clicado.

Não somente o conteúdo em si é de qualidade inferior (e aqui posso falar somente pelo meu próprio, aquilo que posto nas redes do Graça), mas também ele nos condiciona como leitores a nos satisfazermos com pequenas e curtas leituras e nos desacostuma a ler grandes porções. Há pesquisas mostrando como as novas gerações têm dificuldades em focar em leituras por bastante tempo, e eu creio que grande parte disso vem das leituras rápidas pelas quais apenas passamos nossos olhos nas redes.

Minha proposta

E é aqui que proponho algo. Não proponho que abandonemos as redes. Mas proponho que não permitamos que essa tendência se instale no Brasil, nos fazendo viciadas em “pequenas porções de sabedoria”. Proponho que usemos as redes sociais para o que elas foram feitas: apontamento de boas informações (de preferência linkando para a fonte onde encontraremos a informação em sua totalidade) e criação de oportunidade de relacionamentos. Mas que não as usemos para o que elas não foram feitas: transmissão de ideias em sua totalidade.

Que elas sejam, quando necessário, um ponto de partida de conversas, mas nunca o ponto final. Que não permitamos que legendas do Instagram e Facebook sejam nossa fonte primária de conhecimento. Que não criemos uma falsa impressão de sabedoria ao postar algo “profundo” em 240 caracteres. Que nós, que nos propomos a ensinar e ministrar pela internet, usemos de blogs e artigos, em sua maioria, para construir ideias e ensinamentos.

Que nos lembremos que Deus nos deu um Livro, e não um apanhado de frases soltas, para nos fazer conhecer quem Ele é. Que sejamos leitores vorazes, focados, apaixonados desse Livro. E que através dessa base busquemos fontes que nos auxiliam a entender O Livro, fontes bem escritas, bem pesquisadas, longas e de pensamentos fluídos.

Que voltemos a saber sentar com um bom livro e lê-lo por minutos, horas até. Que não nos contentemos com a cacofonia de teologia das legendas.

Não somente comer bem, mas digerir

Agora, dois pontos a mais precisam ser colocados. Primeiro, eu não estou dizendo que todo conteúdo de legendas seja negativo e todo conteúdo de livros e artigos seja bom. Pelo contrário, eu conheço muitos e muitos livros de conteúdo negativo e alguns que até mesmo chegam a ser heréticos! O que estou defendendo é que, independente da qualidade do conteúdo, as legendas sempre criarão leitores superficiais, e por isso proponho que voltemos à leitura longa e bem escrita (claro, na esperança de que o conteúdo desta seja bíblico).

Segundo, ainda que voltemos aos livros e ainda que o conteúdo seja bíblico, nada será aproveitado caso não meditemos nele. Na introdução do meu eBook “21 dias com minha amiga Elisabeth” eu proponho às leitoras que tratem o livro como um devocional, lendo apenas um capítulo por dia, e isso para que o conteúdo daquele dia seja meditado, processado bem, indo assim da cabeça para o coração. De nada adiantará voltarmos às boas e longas leituras, se ao final do dia ainda não meditarmos nelas. Três horas debruçadas diante de boa leitura será vazia ao final se nada se instalar em nós, nos transformando.

Que então não nos enganemos pensando que a sobrecarga de informações gerada pelas redes sociais nos faz automaticamente mais sábios. O contrário é mais provável de ser real – temos recebido tanta coisa, tanta informação, que ao final do dia tudo passa “direto”, sendo descartado sem nada ser realmente absorvido.

Queridas, essa é uma conversa inicial. O que você crê, baseado nessa conversa? Quero te ouvir.

Em Cristo,
Sua irmã que quer ver a Igreja bem alimentada e nutrida,
Francine V. Walsh